Os anti-heróis são os grandes personagens das séries contemporâneas. Ao longo das duas últimas décadas temos convivido com pe...

17:19:00 by a deletar


Os anti-heróis são os grandes personagens das séries contemporâneas. Ao longo das duas últimas décadas temos convivido com personagens como Tony Soprano, Dexter Morgan, Don Draper e Walter White, homens de moral questionável, que oscilam entre o carisma e a antipatia, entre as boas atitudes e a vilania. Homens que seriam, em suma, humanos.
Magnífica 70: a atriz Dora Dumar nas gravações de "Minha Cunhada é de Morte", a anti-heroína da nova narrativa seriada brasileira

A saga do mafioso Tony Soprano, um fora-da-lei que frequenta o consultório de uma psicóloga para tratar seus problemas pessoais, abriu espaço para discussões de temas a partir de vieses pouco utilizados anteriormente na televisão.
 A partir da história de Tony Soprano e sua família de mafiosos tão humanos quanto qualquer cidadão norte-americano, os telespectadores passaram a contar com uma nova opção à narrativa televisiva convencional. Sucessos posteriores de programas como Six Feet Under e The Wire ajudaram a solidificar esse novo modelo e, vinte anos depois que o bando de patos selvagens invadi a piscina do mafioso Tony, muitos outros personagens e narrativas, tão complexas quanto esta, conquistaram audiência ao redor do mundo.
Dexter Morgan é o personagem central da série Dexter, um psicopata que se esconde sob a identidade de um analista forense da polícia de Miami. Diferentemente dos cruéis psicopatas comumente retratados na televisão, Dexter encanta os telespectadores justamente pelo seu lado humano, pela luta psicológica interna com os sentimentos que o movem ao crime e pela dificuldade que encontra ao tentar ser um cidadão comum, que não somente expressa sentimentos, como também os sente no mais íntimo do seu ser. Os assassinatos praticados por Dexter obedecem a um código de ética: ele somente mata criminosos, o que o transforma em uma espécie de justiceiro da sociedade. 
Em Mad Men, Don Draper é o diretor de criação de uma agência de publicidade nova-iorquina dos anos 1960. Pai ausente e marido adúltero, Don construiu uma vida tão cheia de verdades quanto um anúncio publicitário. Por trás de um formidável profissional do mercado da propaganda, está um homem que renega o próprio passado e vive sob a identidade de um outro homem. Don é, ao mesmo tempo, um produto criado por um diretor de criação para si próprio e um ser humano repleto de complexidades.
Nesse conjunto de homens “deploráveis” e ao mesmo tempo “encantadores”, o principal nome que se sobressai é o de Walter White, um professor de Química que se transforma em grande produtor de meta-anfetamina em Breaking Bad. Um pacato que cidadão do Novo México, sudoeste dos Estados Unidos, que ao longo de cinco temporadas percorre uma trajetória de transformação, capaz de o elevar à categoria de maior anti-herói da televisão contemporânea, o cruel Heisenberg, pseudônimo adotado pelo próprio White para espalhar sua fama no mercado das drogas sintéticas.

Breaking Bad: um pacato pai de família e professor de química se transforma 
em um dos traficantes mais procurados do Novo México.

Em comum, Tony Soprano, Dexter Morgan, Don Draper e Walter White tem o fato de serem homens comuns: um pai de família, um policial, um profissional do mercado e um professor de química. São cidadãos que enfrentam batalhas cotidianas e talvez esse seja um dos motivos pelos quais o público tenha se mostrado disponível a recebê-los em suas casas, através de seus aparelhos de televisão – ou computadores – durante tanto tempo.
Nos casos destes quatro personagens, as séries tiveram uma duração relativamente longa. Breaking Bad, por exemplo, estreou em janeiro de 2008 e seu último episódio foi ao ar em setembro de 2013.  Foram seis anos no ar, em cinco temporadas, sendo que a última delas teve um número maior de episódios (16, ao contrário dos 13 usuais das temporadas anteriores), metade destes lançada em 2012 e a outra metade no ano seguinte.
Brett Martin, autor do livro “Homens Difíceis”, faz uma análise comparativa entre os autores destes grandes sucessos e seus personagens. Para ele, estes protagonistas pertencem a uma espécie que se poderia chamar de Homem Acossado ou Homem Oprimido – atormentado, aflito e frustrado pelo mundo moderno”.
Outros autores que estudam o tema, como Jason Mittel e Christina Kallas, falam do grande número de personagens masculinos com estas características e refletem sobre o porquê do número de anti-heroínas ainda ser menor que o dos homens. Umas das hipóteses levantadas pelos autores é a de que os principais nomes que assumem estas funções no mercado de séries americanos ainda são de homens – nada de novo no front.  
Em seu livro “Complex TV: The Poetics of Contemporary Television Storytelling”, Jason Mittel levantas duas questões: Por que os anti-heróis masculinos são mais aceitos que os femininos?  A mulher de moral duvidosa é menos aceita que o homem, na sociedade?
Segundo palavras do autor, em tradução nossa, “os homens são mais propensos a serem respeitados e admirados pela crueldade, autopromoção e a busca do sucesso a qualquer custo, enquanto as mulheres ainda são construídas mais como carinhosas, altruístas e mais como objetos de ação do que agentes empoderados”. Reflexos de uma sociedade machista, que ainda necessita ser desconstruída. Mas a mudança neste paradigma deve partir apenas dos autores ou os espectadores tem um papel importante a cumprir na mudança destas relações?

Enquanto pensamos, segue aqui minha lista de anti-heroínas preferidas. Elas ainda são minoria, mas são personagens tão encantadoras quanto os citados acima. 
Patty Hewes, de Damages, seria talvez uma das primeiras mulheres a representar este papel de anti-heroína de um novo modelo narrativo, as ditas narrativas complexas. As ações da personagem, porém, parecem caracterizá-la muito mais como vilã. Talvez pelo contraste com a outra protagonista, a personagem Ellen, a advogada Patty se sobressai como uma mulher inescrupulosa, que ainda carrega consigo muito do tradicional estereótipo do personagem “capaz de tudo para conseguir o que deseja”. De qualquer forma, ela ocupa um espaço importante neste cenário.

 Damages: Glenn Close muito mais ardilosa que em Atração Fatal

Rita, personagem título de uma série de televisão dinamarquesa que estreou em 2012, representa melhor esse papel de anti-heroína. A personagem é uma professora de uma escola pública de Copenhagen, que foge completamente do estereótipo das heroínas televisivas. Suas ações são, via de regra, moralmente questionáveis. Rita fuma escondida no banheiro da escola, joga a guimba do seu cigarro no chão sem se preocupar com o caráter educativo de sua profissão, relaxa degustando um cigarro de cannabis e mantém relações sexuais sem culpa com o pai de uma aluna ou com um ex-namorado que ela reencontra e descobre ser o sogro de seu filho, tudo isso ostentando o título de amante do diretor da escola. A relação familiar de Rita com os filhos e a mãe também é conturbada. Mesmo assim, o espectador não deixa de vê-la como a melhor professora da escola, a que se preocupa com os alunos e luta por eles, mesmo que para isso tenha que subverter as regras, de acordo com seu próprio julgamento.


Rita: educação fora dos padrões

Completo a lista com Dora Dumar, uma das protagonistas da brasileira Magnífica 70, um excelente exemplo de anti-heroína. Dora é atriz na Boca do Lixo – complexo cinematográfico paulistano dos anos 1970 –, é também uma golpista que pretende roubar o dinheiro da produtora, é ainda a irmã que busca o irmão na porta da penitenciária e se submete às ordens de um bandido perigoso para protegê-lo, e é a mulher que vive um casamento de aparências com o produtor do filme em que atua, mas que se apaixona pelo diretor e mantém um caso com este. Dora não tem pudores com o seu corpo, sabe usá-lo quando preciso, dentro e fora de cena.
Seu caráter é duvidoso, mas encanta os espectadores enquanto mostra ao público de hoje o quão progressistas eram os anos 70 se comparado aos conservadores tempos atuais.

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