Até onde um trauma pode te levar? Quando o Plano Collor acabou com uma vibrante cena de quadrinhos nacionais onde Luciano participava c...

09:19:00 by marcelo engster

Até onde um trauma pode te levar? Quando o Plano Collor acabou com uma vibrante cena de quadrinhos nacionais onde Luciano participava como desenhista do gibi do Menino Maluquinho, ele não esperava que anos mais tarde viria a ser o maior fenômeno das HQs brasileiras perseguindo os mesmos políticos que tanto atrapalharam sua carreira.
Os últimos quatro anos, de uma carreira de mais de trinta, chutaram a porta de Luciano Cunha e o transformaram no grande nome da nona arte brazuca, com seu anti herói O Doutrinador. O personagem, que caça políticos corruptos, foi lançado na internet, depois de recusas de diversas editoras com medo de processos, e hoje conta com mais de 125 mil seguidores nas redes. Agora parte para uma nova etapa com a adaptação para o cinema, dirigida por Johnny Araújo (vencedor de dois VMB).
Incansável, Luciano pretende levar essa experiência multiplataforma para outras HQs, em busca de um mercado financeiramente viável para o meio. Junto com seu sócio Gabriel Wainer criou a Guará Entretenimento, uma editora e núcleo criativo que pretende juntar quadrinhos com outras mídias, como games, boardgames e cinema. Ainda busca, junto à um grupo de artistas e editores, levar uma série de propostas ao Ministério da Cultura para o fomento da cena no Brasil.
Com vocês, Luciano Cunha:


Como você começou a trabalhar com quadrinhos?
Aos 16 anos fui contratado pelo estúdio Zappin, do Ziraldo. O ano era era 1988 e com essa idade desenhava o gibi do Menino Mauluqinho, que era publicado pela Editora Abril. Fiquei lá até o Plano Collor quase acabar com o país (Hehehehe). Foi uma época de muito aprendizado, trabalhar com o Ziraldo, que pra mim é gênio, com Ferreth, Helcy Miranda, só feras... inesquecível.

Meu processo sempre foi totalmente caótico, não segue nenhuma rotina, nada.
            
Como é seu processo criativo? Você tem uma rotina de criação? Tem metas? Como fazer pra chegar da ideia ao papel?
Meu processo sempre foi totalmente caótico, não segue nenhuma rotina, nada. Apenas tenho o roteiro na cabeça, pego referências fotográficas na web e começo a desenhar. 


Quais temas gosta de abordar?
Quase sempre política. Sou um animal político. Mas outro dia notei que todos os meus personagens são anti-heróis. Nunca criei personagens certinhos, sempre foram desajustados, drogados, problemáticos, polêmicos.

Quais suas principais referências? O que te inspira?
Tenho muitas referências e são sempre elas que me inspiram: Jack Kirby, o Rei... Darwyn Cooke, Steve Rude, John Buscema, Adi Granov, Mitch Gerards, Rafael Albuquerque,  e tantos outros... rs 


Você faz alguma pesquisa para suas histórias?
Sim, muita pesquisa. Como minhas histórias sempre giram em torno de um fato real, preciso fazer bastante pesquisa

O que faz quando tem o famoso branco?
Pesquiso mais! Rsrsrs

Personagens são o coração de qualquer trama, é fundamental construí-los sobra uma base mais sólida possível.

Qual a importância das personagens para as histórias? Qual seu trabalho de desenvolvimento de personagens?
Eu não costumava trabalhar os personagens, eu ia desenvolvendo tudo no feeling mesmo... mas após participar da writer´s room do filme do Doutrinador, valorizo cada perfil e construção do universo de personagens, já começo a fazer isso nas atuais produções do selo Guará. Personagens são o coração de qualquer trama, é fundamental construí-los sobra uma base mais sólida possível.


Qual a importância do quadro em uma história em quadrinhos?
Uma imagem vale mil palavras, diz o ditado, né? Quando bem construídos e desenhados, o quadro é determinante pra imersão do leitor, né? Ele determina o ritmo da leitura, o peso da narrativa... enfim, é a alma do negócio! Rsrsrs

Quais são os cuidados na hora de diagramar uma página? Existe diferença entre o que vai em uma página ímpar e uma par?

Sim, há de se ter todo esse cuidado, aprendi isso de forma brutal num workshop que fiz na Quanta, ministrado pelo Sideny Gusman, da MSP. Foi sensacional. A página ímpar deve manter a surpresa da narrativa para a página par, isso é muito gostoso e não é simples de fazer... Infelizmente, não tenho todo o tempo que preciso para editar as páginas ímpares como deve ser feitas... algum dia chego lá!

Eu fiz cursos de como se administrar e usar uma fan page, é o mínimo que o artista pode fazer nos dias de hoje.

Como chegar até o público? Como estabelecer uma relação com o leitor?
Como chegar? Internet, redes sociais. Não há desculpas: leia, pesquise como funcionam as redes. Eu fiz cursos de como se administrar e usar uma fan page, é o mínimo que o artista pode fazer nos dias de hoje. Eu sou um exemplo vivo de como as redes sociais são a plataforma perfeita de publicação: em 4 anos saí da minha fan page, totalmente independente, para o cinema. Trabalhando muito e fazendo as conexões certas, que é o melhor que a internet pode te oferecer. Como se relacionar com o leitor? Sendo verdadeiro. Sempre!



Quais as dificuldades para publicar digital  e físico? Quais são os cuidados que se deve tomar em cada um desses formatos?
Digital e físico têm um mesmo problema: distribuição. No digital você pode se auto publicar, mas você precisa se lançar para o mundo, correto? Se "distribuir". Aí que entram os cursos, o networking, o conhecimento para usar as redes de forma competente e viral. O quadrinho físico, atualmente, é quase que inteiramente vendido em eventos. Eu tenho uma boa vendagem on line, mas a minha página tem mais de 125 mil curtidas, acho que sou uma exceção. As duas tiragens do Doutrinador se esgotaram, mas é muito duro o caminho para se vender HQs nacionais, o bloqueio ainda é grande.

No momento, estou capitaneando uma iniciativa com um grupo de artistas e editores para levarmos ao Ministério da Cultura uma série de propostas de fomento da cena no Brasil, acho que vai dar pano pra manga.

Quais as dificuldades do mercado brasileiro?
Todas possíveis. Primeiro, a distribuição, que é um monopólio criminoso, coisa bem brasileira. A Panini deu um passo corajosos para enfrentar essa máfia, tomara que consiga! Segundo, o bloqueio que o leitor ainda possui quanto à produção nacional. Vem melhorando, mas ainda existe. Na minha opinião, no Brasil não há um mercado, o que temos é uma CENA. É diferente. Mercado é quando todos os atores envolvidos no processo conseguem seu sustento daquela atividade. Fora os artistas que desenham para fora e são agenciados, desconheço quadrinistas que vivam exclusivamente de quadrinhos. No momento, estou capitaneando uma iniciativa com um grupo de artistas e editores para levarmos ao Ministério da Cultura uma série de propostas de fomento da cena no Brasil, acho que vai dar pano pra manga.



O Doutrinador deve virar filme e série animada. Como está sendo esse processo de adaptação para outras mídias?
Um sonho, de verdade. Tudo é enriquecedor, diferente, maravilhoso. Probleminhas de adaptação das linguagens aqui e ali, mas é muito gratificante no final, estou vivendo um sonho.

Não vejo outra saída para os artistas atualmente: pensar a sua obra como um produto multiplataforma.

Adaptações de quadrinhos para cinema e séries são comuns nos Estados Unidos. Esse processo costuma ser um sucesso em termos financeiros e de criação de público. Quais benefícios as HQs brasileiras poderiam obter com um diálogo mais intenso com o audiovisual?
Acho fundamental para construir um público leitor e tornar nossa produção comercialmente atrativa, como chegou a ser nos anos 60 e 70. Eu e meu sócio Gabriel Wainer criamos a Guará Entretenimento justamente para aproveitar essa porta aberta pelo Doutrinador. Nossa editora e núcleo criativo vai se especializar em ser o canal entre HQs brasileiras e outras mídias, como a indústria de games, boardgames e cinema. Não vejo outra saída para os artistas atualmente: pensar a sua obra como um produto multiplataforma. É assim que vemos a nossa produção aqui na Guará. Queremos fazer o caminho inverso também: contratar artistas brasileiros que acabam emprestando seus talentos exclusivamente para o mercado externo. Temos 3 HQs em produção com nomes como Alisson Borges, Pericles Júnior, Daniel Franco, Alzir Alves, Osmarco Valladão, Jean Diaz... só gente do mais alto gabarito fazendo quadrinho brasileiro para brasileiros. É um orgulho total!


O que te motiva a continuar fazendo quadrinhos?
Paixão. Eu sou apaixonado por essa arte, desde que tive um gibi do Homem Aranha em minhas mãos, muito pequeno ainda. Mas eu lembro como se fosse ontem, a magia continua.

E não desista fácil. Eu esperei mais de 30 anos para ver meu trabalho reconhecido.
O que aconselharia para quem está começando ou quer trabalhar com quadrinhos?
Estude, estude muito. E depois estude mais um pouco! Antes de se lançar na web e aparecer pro mundo, esteja certo de que está fazendo o melhor, pois o leitor é muito, muito exigente. E não desista fácil. Eu esperei mais de 30 anos para ver meu trabalho reconhecido. Abração a todos os amantes da nona arte!



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