Gian Danton é um dos roteiristas mais importantes e ativos dos quadrinhos brasileiros. Sua extensa produção começou em 1989, com a hist...

16:46:00 by marcelo engster

Gian Danton é um dos roteiristas mais importantes e ativos dos quadrinhos brasileiros. Sua extensa produção começou em 1989, com a história Floresta Negra, para a Revista Calafrio, com arte de Joe Bennett. Além do terror, passou pelos gêneros ficção científica, humor, infantil, heróis entre vários outros. Recebeu prêmios como Angelo Agostini e HQ Mix. Hoje é professor na Universidade Federal do Amapá e é autor de manuais e livros sobre a escrita de roteiro para quadrinhos. Escreve para o blog Roteiro de Quadrinhos.
Gian trabalhou com diversos desenhistas, passou por gerações dos nossos quadrinhos e publicou em várias editoras, incluindo norte americanas e britânicas. É importante referencia para a área, seus livros teóricos orientam muitos autores. Portanto, convidamos Danton para uma conversa sobre seus processos criativos nos quadrinhos. 


Quais temas gosta de abordar?
Não tenho tema preferido. Acredito que todo roteirista de quadrinhos deva ser eclético, lendo tudo, escrevendo sobre tudo. Sou famoso pelas minhas histórias de terror, mas já escrevi humor (para a revista MAD) e infantil (Turma da Tribo). 

Watchmen foi uma revolução para mim na forma de estrutura a narrativa. O meu compadre, o desenhista Joe Bennett, me emprestou, e li tudo em dois dias.

Quais suas principais referências? O que te inspira?
Eu leio de tudo e sou influenciado por muitos autores, mas o mais importante deles é, sem dúvida, Alan Moore. Watchmen foi uma revolução para mim na forma de estrutura a narrativa. O meu compadre, o desenhista Joe Bennett, me emprestou, e li tudo em dois dias. Não conseguia parar de ler. Depois disso, fui atrás de outros trabalhos, como Monstro do Pântano. Acredito que hoje em dia eu tenha tudo que já foi publicado dele no Brasil e mais algumas coisas inéditas. Mas também gosto de autores, europeus, argentinos etc...
Tenho que escrever algo todos os dias, mesmo que seja um artigo. Um dia sem escrever é um dia perdido.

Como é seu dia a dia de criador?
Eu estou fazendo doutorado, então a maior parte do tempo é dedicada à tese e a artigos. Mas procuro sempre escrever algo de ficção. Tenho que escrever algo todos os dias, mesmo que seja um artigo. Um dia sem escrever é um dia perdido. Mas não há uma rotina. Se me convidam para um projeto, me dedico a ele. Em alguns dias pego apenas para escrever tiras da série do Xuxulu e assim vai... 


 Você faz alguma pesquisa para suas histórias?
Sempre. Pesquisa é fundamental. Não existe história que não demande pesquise. E quanto mais você pesquisa sobre o assunto mais preparado estará para escrever uma boa história. E quando falo em pesquisa, falo não somente em ler sobre o assunto, mas também ler o que já foi feito naquela linha. Se você vai escrever uma história policial, lei os mais variados autores policiais. Se vai escrever ficção científica, leia ficção científica. Quando fui escrever para a MAD, fui na minha coleção e li e reli diversas vezes as revistas para pegar o estilo do humor da revista. Fiz uma pesquisa tão extensa que cheguei a escrever um texto sobre o assunto que era enviado pelo editor para novos roteiristas que iriam trabalhar na MAD. Pesquisa é fundamental. 


O que faz quando tem o famoso branco?

Eu só começo a escrever quando já tenho uma boa noção do que será escrito, a estrutura básica da história. Assim, dificilmente tenho o famoso branco. Mas há momentos em que a história para, como se fosse um pequeno bloqueio. Aí não adianta bater a cabeça. É ir fazer outra coisa. Quando volto, a situação é se desenvolve naturalmente. Hoje em dia escrevo bem menos, mas quando escrevia profissionalmente, no início da carreira, eu adotava uma estratégia: escrevia duas, três histórias ao mesmo tempo. Quando uma bloqueava, eu partia para a outra. Assim conseguia manter o ritmo.

Qual a importância das personagens para as histórias? Qual seu trabalho de desenvolvimento de personagens?
Eu trabalho com roteiro e já vi muita coisa com personagem. Agora está na moda fazer uma ficha de personagem que só falta perguntar qual o time que ele torce rsrs (alguns colocam). Acho que isso engessa a criação do personagem. Prefiro imaginar sua história de vida, os principais fatos que o marcaram (se o time que ele torce é importante, coloco, caso não). E deixo também o personagem se desenvolver durante a escrita. O Lobato dizia isso, que a Emília se escrevia sozinha, que ela ganhava vida própria durante a escrita. No meu segundo romance, O Uivo da Górgona, teve uma personagem, a Zu, que praticamente se escreveu sozinha. No meu planejamento inicial ela deveria ser uma velha chata e cheia de manias, mas ela foi ficando mais e mais simpática e as manias delas a iam humanizando. No final, tive que voltar e reescrever vários trechos (em especial os que eu a chamava pelo nome completo, Zulmira, pois a personagem não encaixava mais nesse nome). 

Eu uso uma regrinha básica: nunca diga com o texto o que pode ser mostrado com imagens.

Como você trabalha o texto de suas histórias? O que deve ir para os balões e o que pode transparecer nos desenhos? Como é possível escrever visualmente o texto?
Muito difícil. Eu comecei escrevendo quadrinhos, então para mim é natural, mas a maioria das pessoas tem a tendência de escrever literariamente. Eu uso uma regrinha básica: nunca diga com o texto o que pode ser mostrado com imagens. Se a imagem já está mostrando, não diga aquilo no texto. Use o texto para contar aquilo que não pode ser contado com imagens, ou não está sendo contado com imagens naquele quadro específico.

Qual a importância do quadro nas histórias em quadrinhos?

Nos quadrinhos, cada quadro tem a sua importância dentro da narrativa. Quadros maiores são mais relevantes, de maior impacto, quadros menores são apenas narrativos. Com o tempo o roteirista vai aprendendo e identificar ambos (ler quadrinhos com esse olhar ajuda muito) e colocando essas identificações no roteiro.


 

Como chegar até o público? Como estabelecer uma relação com o leitor?
Uma boa forma de fazer isso é aproveitar as redes sociais, ir construindo a obra e, ao mesmo, tempo, perceber o feedback do leitor. O meu livro O Uivo da Górgona foi escrito em um grupo de fãs de terror no Facebook. Eu publicava um capítulo por dia. Ajudou muito a perceber o que funcionava e o que não funcionava na história. 


Você trabalhou com diversos desenhista, como é a sua relação com eles? Como se dá o trabalho entre esses dois profissionais?
Cada desenhista com o qual trabalhei eu estabeleci uma relação diferente, inclusive no tipo de roteiro. Com o Joe Bennett, por exemplo, só fazíamos o marvel way (método em que roteirista e desenhista discutem a história, o desenhista faz um esboço da história e o roteirista coloca texto em cima desse esboço). Com o Jean Okada, com o qual fiz Exploradores do Desconhecido, usava o full script, em que tudo na história é detalhado no roteiro. Com o Antonio Eder, com o qual fiz muitos trabalhos, uso um método misto, uma mistura do full script com o marvel way - com ele é o que melhor funciona. Com o tempo o bom roteirista vai aprendendo a identificar a melhor forma de trabalhar com cada desenhista. 


Você consegue viver de quadrinhos?
Nunca vivi de quadrinhos. O melhor que já ganhei foi quando participei do MSP+50. Ganhei por cinco páginas de roteiro mais do que já tinha ganhado por histórias inteiras, de 30 páginas. Eu sou professor universitário. É de onde tiro o meu sustento.

No Brasil a maioria dos desenhista consegue viver de desenho. Quanto aos roteiristas, apenas os que trabalham para o Maurício de Sousa conseguem viver de roteiro.
 
Existe diferenças de mercado de trabalho para roteiristas e desenhistas?

A diferença é enorme. No Brasil a maioria dos desenhista consegue viver de desenho. Quanto aos roteiristas, apenas os que trabalham para o Maurício de Sousa conseguem viver de roteiro. E, claro, há o mercado americano. Muitos desenhistas trabalham para as editoras americanas, mas até agora nenhum roteirista conseguiu esse feito (alguns desenhistas de maior destaque conseguiram emplacar seus próprios roteiros, o que é um caso a parte).  


Você passou por diversas fases dos quadrinhos brasileiros, como enxerga a atual geração?
O mercado mudou completamente. Quando comecei, havia um editor, que comprava o roteiro e geralmente o repassava para o desenhista. Hoje isso praticamente não existe. A grande maioria das editoras pega projetos prontos. E o barateamento dos custos gráficos e facilidade de divulgação fez com que surgissem muitas publicações independentes. Isso por um lado permitiu que surgissem muitas publicações.  Mas por outro lado, a maioria dos autores independentes só recebe o suficiente para cobrir os custos e bancar as próximas publicações, o que é problemático. 

Quanto mais ecléticas forem suas leituras, melhor será seu trabalho.

O que aconselharia para quem está começando ou quer trabalhar com quadrinhos?
Nossa, poderia dar tantos conselhos...rsrs Mas acho que o mais importante é: não leia só quadrinhos. E, principalmente, não leia só um tipo de quadrinho. Quanto mais ecléticas forem suas leituras, melhor será seu trabalho.

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