Fabio Zimbres é provavelmente um dos autores mais pessoais dos quadrinhos brasileiros. Obras como Vida Boa trazem uma visão muito parti...

10:58:00 by marcelo engster

Fabio Zimbres é provavelmente um dos autores mais pessoais dos quadrinhos brasileiros. Obras como Vida Boa trazem uma visão muito particular, mas que mesmo assim dialogam com muitas pessoas.
Designer, pintor e ilustrador, Zimbres não vive apenas de quadrinhos, o que lhe possibilita criar uma obra única. Procurando conhecer mais sobre seus processos criativos, chamamos o quadrinhista para uma conversa. Confiram:

Como você começou a trabalhar com quadrinhos?
 
Minha primeira hq longa foi a que saiu na revista que editei com o Newton Foot (o mesmo do Rastinha e do Bundha) na FAUUSP, Brigitte. Minha memória é muito falha mas eu acho que isso foi em 86 o que quer dizer que eu tinha 26 anos. Antes disso eu já tinha feito umas tiras curtas e criado personagens como qualquer fã de quadrinhos, acho. Mas eu nunca achei que fosse trabalhar com quadrinhos, fiz as coisas que fiz como uma espécie de sonho infantil, de experiência, nunca planejei minha vida para viver disso. Foi tudo muito improvisado, uma coisa seguiu a outra e quando eu vi estava publicando. A Brigitte foi minha escola, editei, escrevi, desenhei, ilustrei etc. Foi por onde entrei e como as pessoas ficaram conhecendo meu trabalho.


Como é seu processo criativo? Você tem uma rotina de criação? Tem metas?
Nada parecido com rotina nem metas. Mas não deixa de ser um processo criativo. Em geral eu me movo por encomendas. Alguém pede algum trabalho e eu me ponho a imaginar que tipo de trabalho poderia ser. Aí começa uma divagação sem rumo onde vai entrar fatalmente as coisas que estou lendo, vendo ou escutando no momento. Isso dura um tempo indeterminado até que algo dá um estalo e eu decido o que fazer e começa a parte chata de desenhar e colocar as ideias no papel e aí você percebe o quanto você é incapacitado para realizar aquele sonho que você criou na cabeça. Aí você vai fazendo até que não termina tão mal mas é só uma fração da coisa genial que aparecia na sua cabeça. Me ponho a desenhar movido pela ideia geral e pela curiosidade de ver aquilo que eu imaginei pronto e isso é bom mas é só trabalho braçal, mesmo, e meio obsessivo, dá vontade de ver logo a coisa pronta.

Como fazer pra chegar da ideia ao papel?
Sentando e desenhando. Talvez haja outros métodos mas esse é o único que eu conheço e que funciona para mim.

Dizem que qualquer trabalho é autobiográfico então suponho que não é uma questão de gosto, você acaba tratando dos temas que dizem respeito a você porque é o que a gente pode fazer. 

Quais temas gosta de abordar?
Não sei. Dizem que qualquer trabalho é autobiográfico então suponho que não é uma questão de gosto, você acaba tratando dos temas que dizem respeito a você porque é o que a gente pode fazer. Acho que em geral falo de uma pessoa perdida mas seria reduzir demais e acho que isso é abrangente demais e acaba englobando a maior parte dos autores que eu conheço.

Quais suas principais referências? O que te inspira?
Os autores de quadrinhos que eu sempre cito são aqueles que me indicaram o que eu poderia fazer, me abriram o olho para algo que eu gostaria de fazer: Kurtzmann, Herriman, Pazienza, Altan. Tem Também os desenhistas expressionistas e Gross com relação a desenho. Esses são responsáveis por aquela faísca que você recebe quando é ainda muito jovem e tudo fica impressionado muito fundo na mente. Mas é claro que não para aí e hoje em dia não são apenas os desenhistas mais velhos, há muitos mais novos, não apenas desenhistas, pessoas de várias áreas, que me movem a continuar experimentando.
Engraçado que nunca cito um japonês, por exemplo, mas a arte gráfica japonesa sempre me impressionou, seja mangá, ilustração, desenho, ou gravura, e acho que isso é evidente no meu trabalho mas eu só tive contato mais frequente com autores japoneses mais tarde então é difícil incluir entre os que eu cito sempre.


Como é seu dia a dia de criador?
Acordo, me irrito com o mundo e volto a dormir. Posso me considerar sortudo por conseguir dormir.
No meio dessa irritação vou criando umas 'pérolas'. Suponho que seja assim com todo mundo.

Gosto que meu desenho tenha um certo frescor e espontaneidade, se eu me baseio demais em referencias o desenho tende a se tornar burocrático.

Você faz alguma pesquisa para suas histórias?
Gosto que meu desenho tenha um certo frescor e espontaneidade, se eu me baseio demais em referencias o desenho tende a se tornar burocrático. Se o trabalho exige, e eu evito o máximo fazer um trabalho desse tipo, eu sei que vou gastar um tempão fazendo e refazendo desenhos a partir de uma referencia, até que o objeto faça parte da minha mão e eu consiga desenhar essa coisa de um jeito mais livre, com minhas imperfeições particulares.

O que faz quando tem o famoso branco?
Desenho em cima dele, é pra isso que o branco foi feito, é pra isso que poluímos as águas no processo de clarear papéis: para desenhar. Desenhar pode não resolver seu bloqueio criativo sempre mas ajuda a passar o tempo e esquecer a pressão dele. E foi sempre desenhando que eu resolvi os problemas relativos ao trabalho. Não é uma panaceia, nem sempre dá vontade de desenhar, mas é o que dá pra fazer.
É bom ter em mente que como eu poucas vezes fiz quadrinhos diariamente, no caso de tiras, ou com frequência muito grande, em geral colaborando com revistas independentes ou fanzines, não existe uma pressão muito grande. O branco só aparece no começo, quando eu ainda não sei o que vou fazer porque não tenho limitação, não sei para onde ir. Fico com vontade de fazer algo novo mas não sei ainda o que é.


Qual a importância do quadro nas HQs? Como você trabalha ele?
Os quadros seriam os pontos que ligam a linha da narrativa. Os pontos que você decide usar vão formar sua linguagem. De uma certa maneira, essa escolha parece intuitiva e óbvia mas na verdade é uma opção nossa usar muitos ou poucos pontos mais espaçados para formar a narrativa.
Nunca pensei muito sobre eles especificamente, apenas deduzi que não precisam ter sempre a forma de quadros.

Como chegar até o público? Como estabelecer uma relação com o leitor?
Acho que hoje em dia a resposta está na web. Cabe a cada um achar o jeito de se colocar nela e se expor. Acho que tem muitas vantagens: você pode fazer suas próprias regras, é mais barato que correio como na época dos fanzines. Editoras também ajudam a te apresentar mas em geral o autor já chega mais ou menos pronto na imprensa, depois de aprender a se virar na web. Bom, estou falando do ponto de vista do autor mas se pensarmos como a editora pode chegar até o público, acho que também passa pela web.
Outra ferramenta nas mãos dos autores e editoras acho que são as feiras de publicações, bienais etc. Acho que todo mundo percebeu que o leitor gosta de entrar em contato com o autor e esses eventos estão sendo cada vez mais importantes.
O virtual e global, o físico e local. O interessante é que nos dois casos, autores e editores podem se comunicar sem intermediários, criar sua própria imagem.



Você consegue viver de quadrinhos?
Não. Mas como nunca foi meu projeto não tenho do que reclamar.

Quais as dificuldades do mercado brasileiro?
A distribuição é algo óbvio. Também não sabemos exatamente quem é nosso leitor. Acredito que um cara que sabe usar a web bem já consegue saber isso melhor, mas em geral não sabemos muito bem como é formado nosso mercado. Mas contamos com editoras muito boas e isso é bom, já é algo muito diferente de 20 anos atrás. Essas editoras tem um conhecimento acumulado que acredito que vai ser muito útil para manter a coisa rolando e quem sabe melhorando.

As pessoas que eu conheço que vivem de quadrinhos, amigos próximos que conheço a história, fazem quadrinhos porque são obstinadas, tem o talento e se viraram muito pra fazer isso acontecer.

O que aconselharia para quem está começando ou quer trabalhar com quadrinhos?
Não sei se existe algum conselho possível. As pessoas que eu conheço que vivem de quadrinhos, amigos próximos que conheço a história, fazem quadrinhos porque são obstinadas, tem o talento e se viraram muito pra fazer isso acontecer. Se você que está começando for uma pessoa assim, tenho certeza que vai acontecer.
 


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