O mercado atual de quadrinhos vive um momento importante de descobertas de artistas, formas de produção e distribuição e crescimento no...

15:24:00 by marcelo engster

O mercado atual de quadrinhos vive um momento importante de descobertas de artistas, formas de produção e distribuição e crescimento no número de leitores. A internet é uma facilitadora na divulgação de novos talentos. Mesmo assim, o caminho para o sucesso é longo, e o retorno financeiro nem sempre é certo.
Conhecer o caminho, experiências e ideias de quem está no ramo há mais tempo é essencial para se manter firma nessa trilha e, muitas vezes, encurtar caminho. Para tanto, conversamos com Ota Assunção, que segue nessa peleja desde 1969. Ota passou por todas as facetas do mercado, editoras grandes, editoras pequenas, publicações independentes, distribuição “oficial”, distribuição alternativa, livros, revistas, jornais, zines, internet (atualmente com o Ota Comix e o Termas 69)... Enfim, saca só bate papo: (fica a dica da visita ao MUSEU OTA para conhecer mais algumas histórias dos nossos gibis)


Como você começou a trabalhar com quadrinhos?
Com uns quatro anos de idade... hehe. Passei a infância toda fazendo gibizinhos artesanais, minha produção era enorme. Mesmo quando ainda não sabia ler eu fazia jornaizinhos imitando os de verdade, colocando letras aleatórias como manchete. A profissionalização veio aos 15 anos, quando arrumei um estágio na Ebal, isso em fins de 1969. Logo fui efetivado e trabalhei até 1973 lá, depois me transferi pra Vecchi. em 1972 eu tinha duas tiras diárias saindo em dois jornais cariocas. 

Meu processo atual é assim: quando acabo as tarefas do dia, lá pelo fim da tarde, vou ao boteco da esquina, peço uma cerveja e começo a rabiscar as ideias das tira atuais. Levo papel de casa ou, quando estou sem, o dono do bar me arruma papel de embrulho e faço os rascunhos neles.

Como é seu processo criativo? Você tem uma rotina de criação? Tem metas? Como fazer pra chegar da ideia ao papel?
Meu processo atual é assim: quando acabo as tarefas do dia, lá pelo fim da tarde, vou ao boteco da esquina, peço uma cerveja e começo a rabiscar as ideias das tira atuais. Levo papel de casa ou, quando estou sem, o dono do bar me arruma papel de embrulho e faço os rascunhos neles. As vezes chego a fazer quinze tiras-ideias de uma vez. Voltando pra casa, escaneio os rascunhos e faço os desenhos definitivos, isso quando não tenho o que precisa no banco de imagens. Atualmente não faço mais original com papel schoeller e nanquim, como era no passado. Desenho com canetas de marcar cd em folha de papel chamex, escaneio e trabalho o resto no Photoshop e no Illustrator. Pra dizer a verdade, o processo atual é mais demorado que o antigo. Porque fiquei perfeccionista e passo horas retocando tudo no computador.
Eu fazia as tiras no photoshop. Fiz uns templates com as partes fixas (retranca, assinatura, etc, uma biblioteca de balões e jogo os elementos no lugar. Não desenho a mesma coisa mais de uma vez. Até pra ficar igual. Se eu desenho uma mesa ou cadeira, armário, etc, é um elemento que se repete quando aparece no cenário. Faço isso com personagens também. Tenho os Otas, Bibis, Bete Cenouras, etc, em todas as posições. A partir desses rascunhos de boteco eu vou jogando os elementos que compõem a tira. O letreiramento também é feito no computador, com uma fonte com a minha letra, a Otafont, que eu mesmo desenvolvi. Isso é muito útil porque vou mexendo e enxugando o texto no processo.   

Quais temas gosta de abordar?
Não gosto de fazer charges políticas. Se algum jornal me chamar e me pagar pra isso não me farei de rogado. Entretanto, charges ficam datadas muito rápido. Prefiro tiras atemporais. As tiras do Dom Ináfio, que fiz de 2002 a 2008, ainda podem ser lidas porque têm sua logística própria e são engraçadas mesmo tendo passado dez anos ou mais. Mas fica complicado lembrar dos assuntos que geraram as tiras. Já as atuais, da série OTA ADVENTURES, são eternas. Daqui a cem anos ainda serão válidas. Casais com crises de relacionamento existem desde o tempo das cavernas. E sempre existirão. Daqui a alguns séculos, se o mundo não acabar até lá, alguém vai pegar essas tiras e achar engraçadas.  


Quais suas principais referências? O que te inspira?
A vida real... eu observo o comportamento das pessoas. Transformo isso em situações que cabem nas tiras. Minhas tiras são como uma novelinha, as gags são auto-contidas mas elas emendam uma na outra formando uma história. Mas se você quer saber minhas influências, são Mort Walker, Fred Lasswell, Dik Browne, no desenho, e John Stanley, Carl Barks e Gilbert Shelton, nos roteiros. Aprendi muito com esses caras.


Como é seu dia a dia de criador?
Eu acordo cedo. Cinco ou seis da manhã e já começo a trabalhar direto. Pego as ideias da véspera e vou trabalhando elas nesse processo que descrevi. Gostaria se ficar apenas criando as tiras, daria para eu manter seis tiras diárias sem problemas. Mas ainda não estou conseguindo viver disso, por isso pego trabalhos comerciais de edições de revistas em quadrinhos, trabalho como packager preparando os arquivos eletrônicos das revistas da Pixel e os álbuns do Asterix para a Record. Ou ilustrações para jornais de sindicatos, o que rolar.

Você faz alguma pesquisa para suas histórias?
Quando é necessário, sim. As histórias têm que ser verossímeis. Embora as situações sejam absurdas, têm uma lógica bem definida. Então, por exemplo, até planta dos apartamentos onde os personagens moram eu faço. 


O que faz quando tem o famoso branco?
Eu não tenho "brancos". Nesse tempo todo me habituei a produzir sob qualquer circunstancia pra dar conta dos prazos, quando tem. Então sento e sai alguma coisa. Às vezes quanto está mais difícil recorro a um banco de ideias que tenho, mas até dessas ideias antigas sai coisa nova.



Quais as dificuldades para publicar digital  e físico? Quais são os cuidados que se deve tomar em cada um desses formatos?
Publicar digital, nenhuma. As tiras são jogadas no Facebook e outras redes, e os e-books assim que ficam prontos são lançados. O livro físico é diferente, tem que levantar a grana da gráfica. Eu agora estou auto-publicando tudo. Evito publicar por editoras, por alguns motivos. Os livros acabam não saindo do jeito que a gente quer, a distribuição é precária. Isso se aplica tanto às editoras grandes como a pequenas. As grandes têm outras prioridades e entre promover um best-seller e meus livros vão preferir investir no blockbuster. As pequenas podem ter mais empenho mas não têm grana. E sempre existe a possibilidade de passarem a perna na gente, sendo que nunca vão pagar o que realmente vale o trabalho. Às vezes o designer que faz a capa ganha mais do que o autor do livro. O outro mercado, jornais e revistas, está acabando. As páginas e verbas estão encolhendo.

Quais são as dificuldades na distribuição?
A pior parte é essa. Porque as lojas, redes, etc, comem metade ou mais do preço de capa. E não se esforçam para vender. Deixam os livros nas prateleiras, acaba e não repõem, etc. Acho que a venda direta ao leitor funciona mais.

Trabalho agora fazendo as tiras no Illustrator. Com isso é tudo vetorial, os arquivos não ficam pesados e a plataforma que desenvolvi serve até para animação.

Poderia falar um pouco sobre as novas tecnologias que tem desenvolvido para produzir teus quadrinhos?
Trabalho agora fazendo as tiras no Illustrator. Com isso é tudo vetorial, os arquivos não ficam pesados e a plataforma que desenvolvi serve até para animação. Vetorial dá saída pra qualquer resolução. Como eu disse eu tenho os templates das tiras com um monte de layer (uns 15 por tira) e vou jogando os elementos nesses layers. Tem um layer pra personagens, outro pra cenários, outro pra elementos que ficam por cima. E todas as partes do corpo são desenhadas separadas. Tenho um banco enorme de cabeças, corpos, braços e pernas, roupas, etc. Eles são jogados por cima dos personagens pelados. Toda as mulheres são desenhadas nuas e vestidas depois, com layers com os vestidos, calcinhas, etc, que deixo invisíveis se preciso delas peladas. Eu me divirto fazendo isso. 

 Fornecido por Ota Assunção

Quais as dificuldades do mercado brasileiro?
Está uma merda. Nunca foi bom, sempre se pagou pouco. Mas mantendo uma boa produção dava para se sobreviver. Isso na época que era tudo em papel. Quem fazia tiras podia vender para vários jornais, e os que trabalhavam para as editoras, se conseguissem fazer três ou quatro páginas por dia, tiravam um troco. Hoje as publicações em papel estão desaparecendo. Em compensação a internet abriu novas perspectivas. Caras como o Will Leite e o Carlos Ruas têm 1 milhão de seguidores e conseguem sobreviver exclusivamente das suas tiras, vendendo direto para os fãs ou em eventos. O Lúcio (do Edibar) também se mantém com seu trabalho, porque conseguiu montar uma distribuição própria e publica em vários jornais. A maioria dos outros depende de outros empregos para sobreviver e faz os quadrinhos no tempo livre. Curiosamente, os quadrinhos agora têm mais leitores do que nunca. Mas não por causa do papel, as pessoas baixam de graça na internet.

 Fornecido por Ota Assunção

Sua vida vai virar um filme? Conte-nos mais sobre isso!
Esse projeto era de 2010, mas eles não conseguiram levantar patrocínio e ficou em compasso de espera. Filmes são caros de produzir. A Tatiana Issa diz que quer fazer o filme mas a coisa ficou meio no limbo. Mas eu não tenho pressa, posso esperar. O problema é que algumas pessoas que poderiam ser entrevistadas estão morrendo. Se ou quando tiver esse filme vai ter que ser de um jeito meio diferente do que tinha sido pensado originalmente.

Não desistir nunca, é o meu conselho.

O que aconselharia para quem está começando ou quer trabalhar com quadrinhos?
Aconselho a insistir sempre. E não parar de produzir, porque o aperfeiçoamento vem com o tempo. E o público também. Não desistir nunca, é o meu conselho.


3 comentários: