Entrar em sebos é um problema para algumas pessoas. Entre elas, eu. Sempre há algo interessante para ser levado. Não foi diferen...

12:30:00 by marcelo engster
  

  Entrar em sebos é um problema para algumas pessoas. Entre elas, eu. Sempre há algo interessante para ser levado. Não foi diferente em um empoeirado sebo em La Paloma, no Uruguai. Encontrei lá uma edição do clássico Sherlock Time.


  Publicado na Argentina, essa HQ é uma criação de dois gênios latino americanos, o roteirista argentino H.G. Oesterheld e o desenhista uruguaio Alberto Breccia.
  Viagens espaciais, seres de outras dimensões e cientistas malévolos são o destino do desajeitado e desavisado Luna quando este compra uma enorme casa por um preço muito abaixo do mercado. Não demora muito e descobre que a tal casa é amaldiçoada. Quase vira mais uma vítima da habitação quando é salvo por Sherlock Time, um misterioso e super inteligente detetive. Time então revela que a torre da mansão é, na verdade, uma cosmonave e que os fantasmas que habitavam a casa eram extraterrestres.  A partir daí Luna é levado para diversas missões de Sherlock Time em sua nave. Apesar do título da obra, o verdadeiro protagonista é o homem comum Luna, que leva as histórias para frente. E muitas delas começam em uma padaria, enquanto Luna espera por seu pão em uma fila.
  

  Os roteiros de Oesterheld são viciantes. Impossível deixar alguma história pela metade. Tudo muito amarrado, personagens bem construídos e uma imaginação gigante para ficção científica e histórias policiais. Me incomoda a quantidade de texto para uma HQ. Oesterheld às vezes parece querer competir com a arte, inclusive com alguns quadrinhos contendo apenas texto. Um exagero para um gibi. Para nossa sorte o texto é gostoso e a leitura flui. Qualquer roteirista com menos talento deixaria esses grandes blocos de texto algo maçante e desencorajador da leitura. 


  Oesterheld era um artista inspirado. Criou personagens como Sargento Kirk e Bull Rocket. Fundou a Editora Frontera e as revistas Hora Cero e Frontera. Escreveu as biografias em quadrinhos de Che Guevara (publicada no Brasil pela Conrad) e de Evita, ambos com arte de Breccia. Seu último grande trabalho foi El Eternauta, uma ficção científica que evidenciava a ideologia política do autor em plena ditadura militar Argentina. Foi, junto com suas filhas, militante do grupo de esquerda Montoneros. Suas filhas desapareceram em 1976 e 1977. Ainda em 1977 Oesterheld é sequestrado e morto pela ditadura militar.
 Oesterheld e Breccia por Juan Zanotto

  Para Frank Miller "a história em quadrinhos se divide entre antes e depois de Alberto Breccia". A arte de Miller, principalmente em Sin City é deveras calcada na de Breccia. Alberto produzia uma arte escura, pesada, sombria. Traço grosso, só luz e sombra, blocos negros de sombra com alguns pontos brancos. As linhas se confundem, as sombras se unem aos móveis, aos adornos, aos personagens. Perfeito para as histórias policiais de ficção científica de Oesterheld.


  Breccia produziu muito em vida. Entre suas obras mais conhecidas estão Vito Nervio, Mort Cinder, uma das edições de El Eternauta, Los mitos de Cthulhu e Martín Fierro. Em 1989 recebe o prêmio Amnesty pela HQ Perramus.

 Cthulhu de Breccia

  E esse tesouro todo estava em um sebo uruguaio. Uma pena a edição ser muito ruim. Ela faz parte de uma coleção lançada pelo jornal Clarín. O papel é fraco, a impressão de má qualidade e ainda repetem uma das histórias e esquecem outra. Mesmo assim Oesterheld e Breccia fazem valer o investimento.


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