“Então seja fiel ao que acredita, meta a cara, faça quadrinhos para o SEU PÚBLICO e toque o f***-se para os haters.” A frase que fecha ...

08:29:00 by marcelo engster

“Então seja fiel ao que acredita, meta a cara, faça quadrinhos para o SEU PÚBLICO e toque o f***-se para os haters.” A frase que fecha nossa entrevista com a quadrinhista Cris Camargo conta muito sobre a mudança do cenário dos quadrinhos depois do boom das webcomics.  A visibilidade que as artistas mulheres ganharam com a internet também deixou mais claro o machismo presente no meio dos quadrinhos. Antes um cenário extremamente restrito, as HQs brasileiras agora convivem com uma diversidade de artistas, olhares, temas, histórias. Essa diversidade, porém, não é bem vista entre alguns setores do meio.
Cris Camargo publicou diversos fanzines nos anos 90, precisou parar e volta agora, aproveitando as oportunidades trazidas pela internet. Mesmo assim foi vítima de machismo e precisou de muita coragem pra seguir adiante. Confira nossa conversa com a quadrinhista: 

Como você começou a trabalhar com quadrinhos?
Fazer quadrinhos deixou de ser brincadeira de criança quando passei a lançar fanzines na década de 90. Nessa época desanimei porque queria ir além desse formato, mas as barreiras eram muitas. Em 2013, com o cenário de webcomics e auto publicação, decidi que ia meter a cara, mesmo sabendo que meu traço não estava 100%, depois de tanto tempo sem desenhar.


Como é seu processo criativo? Você tem uma rotina de criação? Tem metas? Como fazer pra chegar da ideia ao papel?
Estruturo o argumento em começo, meio e fim e parto para o roteiro. Só começo a desenhar quando o roteiro e o storyboard estão prontos. Depois que começo a fazer as páginas a coisa ganha vida própria, e então vou fazendo mudanças na história. Sobre rotina, hoje, infelizmente só consigo me dedicar aos quadrinhos nos finais de semana e feriados, mas durante a semana vou anotando ideias, rabiscando personagens e cenas. É meio caótico, mas no fim sempre dá certo. 

Algumas coisas a gente precisa literalmente desenhar para que as pessoas entendam.

Quais temas gosta de abordar?
Adoro monstros e descobertas científicas, mas também gosto de usar os quadrinhos para falar de temas sociais e dar umas patadas em temas políticos. Algumas coisas a gente precisa literalmente desenhar para que as pessoas entendam.



Quais suas principais referências? O que te inspira?
A principal referência artística é não-intencional: Maurício de Sousa. Já ouvi muito que meu traço lembra o dele, o que é quase inevitável, visto que aprendi a desenhar na infância lendo gibi da Mônica. Hoje, o que me inspira é o trabalho do Matt Frank.

Você faz alguma pesquisa para suas histórias?
Sempre, e muita. Em "O Último Maranishi", por exemplo, tudo foi pesquisado: das teorias da conspiração aos detalhes da tecnologia necessária para construir um ônibus espacial intergaláctico. No momento estou com um projeto paralelo sobre os índios Xavantes, e estou mergulhando na cultura deles com pesquisas e entrevistas. 

Ver outros roteiros fluírem me ajuda a desempacar as ideias e encontrar novas soluções.

O que faz quando tem o famoso branco?

Deixo a coisa descansar um pouco e assisto filmes, séries e leio quadrinhos novos. Ver outros roteiros fluírem me ajuda a desempacar as ideias e encontrar novas soluções. 



Qual a importância das personagens para as histórias? Qual seu trabalho de desenvolvimento de personagens?
Fundamental. Se os personagens não gerarem empatia ou ódio, não tem como levar uma história adiante. No meu trabalho, isso é algo que venho tentando desenvolver melhor, pois mesmo com vivências diferentes eles ainda parecem meus alter egos.

Qual a importância do quadro em uma história em quadrinhos?
Como estrutura, o quadro pode fazer muita diferença no impacto, foco, movimento, ação, e dar o tom de toda uma cena sem a necessidade de qualquer outro recurso gráfico. 



Quais são os cuidados na hora de diagramar uma página? Existe diferença entre o que vai em uma página ímpar e uma par?
Sim, e é preciso levar em conta também a composição da página, o cliffhanger (o último quadro que move o leitor a virar a página), as splash pages (cenas de página inteira) e as páginas duplas. Mas admito que muitos desses cuidados eu só passei a tomar depois que já havia publicado meu primeiro quadrinho, pois passei a estudar mais para aprimorar minha técnica. Antes eu fazia tudo na base do feeling e da observação.

Como chegar até o público? Como estabelecer uma relação com o leitor?
Redes sociais e eventos. A relação se estabelece aos poucos, principalmente nos eventos, quando você vende seu peixe cara-a-cara. Você reencontra as mesmas pessoas em outros eventos, e alguns leitores viram amigos e passam a indicar seu trabalho para outros. É um trabalho de formiguinha.



Você consegue viver de quadrinhos?
Infelizmente não. E desconfio que este seja o sonho de 90% dos quadrinistas independentes.

Quais as dificuldades do mercado brasileiro?
Considero a distribuição a maior dificuldade de todas.

Você voltou a publicar depois de um longo tempo longe das HQs. O que te motiva a continuar fazendo quadrinhos?
A vontade de contar histórias, do meu jeito. Teimosia e a intenção de conseguir, um dia, pagar ao menos o plano de saúde com os quadrinhos. 

Então seja fiel ao que acredita, meta a cara, faça quadrinhos para o SEU PÚBLICO e toque o f***-se para os haters.

O que aconselharia para as mulheres que estão começando ou querem trabalhar com quadrinhos?
Coragem, persistência e força para lidar com vaidades, egos inflados, machismo de parte do mercado e falta de união entre boa parte das mulheres quadrinistas, coisa que descobri da pior maneira que infelizmente existe. Então seja fiel ao que acredita, meta a cara, faça quadrinhos para o SEU PÚBLICO e toque o f***-se para os haters.


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