A importância de alguns artistas vai muito além de seu trabalho autoral. Ana Recalde, vencedora do Troféu HQMix como melhor webquadrin...

16:27:00 by marcelo engster

 A importância de alguns artistas vai muito além de seu trabalho autoral. Ana Recalde, vencedora do Troféu HQMix como melhor webquadrinho de 2014 com Beladona, é uma delas. A roteirista é curadora e  coordenadora do projeto Pagu Comics, um selo de quadrinhos que trabalha com HQs feitas por mulheres, fomentando a produção realizada por elas. Buscando entender mais seu trabalho, conversamos com Ana Recalde sobre seus processos criativos. Confira:

Conte-nos um pouco sobre teu trabalho.
Bom, eu trabalho com roteiro. Digo isso pois amo escrever quadrinhos, mas fiquei muitos anos trabalhando com TV e acabei fazendo um pouco de tudo dentro de redação. Depois de ficar 6 anos nos quadrinhos independentes, montei o selo Pagu Comics, e estou aqui trabalhando bastante para tentar continuar no mercado e dar visibilidade para as autoras.

Como você começou a trabalhar com quadrinhos?
Meu pai era colecionador de quadrinhos, além de vários amigos durante a adolescência, que me influenciaram a ler muito e me apaixonar pela nona arte. Mas foi com 18 anos e Sandman (do Neil Gaiman) na mão que vi que poderia transformar toda aquela prosa que eu já escrevia em quadrinhos. Até então tinha uma visão muito estreita do que se poderia fazer, mas com o tempo ela foi se expandindo.
Fiz fanfic até conhecer algumas pessoas que me apresentaram ao mercado editorial de quadrinhos e com uma parceria lancei a minha primeira revista, Patre Primordium, em 2009.

eu costumo dizer que criar pra mim parece um parto

Como é seu processo criativo? Você tem uma rotina de criação? Tem metas? Como fazer pra chegar da ideia ao papel?
Eita, eu costumo dizer que criar pra mim parece um parto. Eu tenho ideias sempre, e elas levam um tempo para amadurecer na minha cabeça, uma sementinha. Desse ponto em diante eu começo a pesquisar, essa é a parte mais demorada do meu processo criativo. Depois faço o resumo, falo com as pessoas próximas, conto várias vezes em voz alta, para alinhar coisas que estão fora de ordem e faço um planejamento de páginas. Só depois disso começo a escrever, mas quando sento, vem de uma única vez. Depois passo para revisão (sou péssima em revisar as minhas próprias coisas).
Mas assim, dentro desse mesmo processo já levei 1 semana pra fazer um roteiro curto a 7 anos para um livro. Claro que aqui, falo muito do meu trabalho autoral, para trabalhos contratados e com prazo eu acelero esse processo. Mas para mim, eu costumo tomar o meu tempo para digerir toda a história.

Sou totalmente apaixonada por ficção cientifica e terror. Muito por causada metáfora que dá pra fazer com a sociedade e os monstros.

Quais temas gosta de abordar?
Sou totalmente apaixonada por ficção cientifica e terror. Muito por causada metáfora que dá pra fazer com a sociedade e os monstros. Lidar com a imaginação de como as personagens lidariam com situações impossíveis, no entanto tão próximas das realidades. 


Quais suas principais referências? O que te inspira?
Bom, pode parecer cliché, mas gosto de boas histórias. Seja em quadrinhos, livros, filmes. Mas minha principal referência são os quadrinhos da DC, principalmente da Vertigo. Acho que nunca disse isso tão diretamente, hehehe… Sempre cito os clássicos, mas a verdade é que no início da adolescência lia muito Vertigo e DC em geral. Isso me influenciou muito.
Mas inspiração mesmo, eu tiro das coisas que estão acontecendo ao meu redor. É minha principal inspiração.

Como é seu dia a dia de criador?
Eu não trabalho apenas como escritora, então minha rotina é um pouco errática. Mas tento manter os escritos rolando diariamente, muito também pela preparação e pesquisa. Mas prefiro escrever mesmo quando tenho tempo de ficar ouvindo música sem preocupações, ou seja, feriados e finais de semana (com sorte). 



Você faz alguma pesquisa para suas histórias?
Muito e sempre. Pesquisa é a base pra um bom roteiro.

gosto muito de dedicar tempo construindo personagens, fazendo suas fichas, descrevendo motivações. Acho que essas coisas ajudam a não cair no “branco”.

O que faz quando tem o famoso branco?
Eu quase não tenho branco. Primeiro que sempre anoto minhas ideias, por mais bobas que sejam. Depois por que gosto muito de dedicar tempo construindo personagens, fazendo suas fichas, descrevendo motivações. Acho que essas coisas ajudam a não cair no “branco”. Quando tenho uma encruzilhada, sempre volto aos escritos originais e aos personagens, isso costuma resolver.

Qual a importância das personagens para as histórias? Qual seu trabalho de desenvolvimento de personagens?
Total, as personagens são o centro da história. Pode ter um conceito fantástico, mas se as personagens não geram empatia, a história se perde. O meu trabalho começa respondendo as perguntas básicas: Onde nasceu? Como cresceu? Como era sua família? Como foi sua infância?
Talvez eu tenha jogado muito RPG, mas gosto de responder tudo isso antes de começar. A nossa história determina como vamos agir, para as personagens também.


Como chegar até o público? Como estabelecer uma relação com o leitor?
Essa é a pergunta de um milhão de dólares, hehehe… Gostaria de saber, de ter uma formula mágica, mas nunca sai como eu imagino.
Eu procuro fazer personagens e histórias que as pessoas se sintam que tem algo ali que as interesse. E isso varia muito de pessoa para pessoa. Então não tento agradar todo mundo. 



Como é a relação entre o roteirista e o desenhista?

Varia muito de parcerias. Minha relação com o Denis Melo (Beladona) foi das melhores, ficamos muito amigos com o tempo, parceiros mesmo. O diálogo sobre o roteiro e arte era direto e sem conflitos. Acho que a gente tinha a mesma visão para a HQ. Mas tive as experiências mais diversas com outros autores. Felizmente nunca tive que brigar com ninguém que estava trabalhando.

Você consegue viver de quadrinhos?
Ainda não. Os rendimentos são muito baixos, mas continuamos trabalhando pra aumentar isso aí.


Quais as dificuldades do mercado brasileiro?
Nossa, são vários! (risos) Temos um problema de distribuição e divulgação; o Brasil é gigante, como fazer as pessoas saberem do seu quadrinho? Temos problemas com a profissionalização; sem um mercado que venda mais (fora a Maurício de Sousa Produções que vende muito), não conseguimos pagar os profissionais, logo temos “meio profissionais”, que precisam dividir suas carreiras e não conseguem tempo para se aprimorar. Sem esquecer que temos muitos profissionais fantásticos, que trabalham fora do país e são considerados alguns dos melhores nomes do mundo.
Claro que os profissionais não estão parados, todos esses problemas estão sendo combatidos com grandes eventos para ajudar na divulgação, formas alternativas de financiamento para suprir a questão financeira. Mas, ainda temos um longo caminho pela frente.

Fazer quadrinhos funciona como as leis de Newton, um objeto em movimento tende a continuar em movimento.

O que aconselharia para quem está começando ou quer trabalhar com quadrinhos, principalmente as mulheres?
Não tenha medo e faça. O mais difícil é começar e terminar um projeto. Não se aflija com os problemas e dificuldades iniciais. Fazer quadrinhos funciona como as leis de Newton, um objeto em movimento tende a continuar em movimento. 


 

Um comentário:

  1. Excelentr entrevista, Ana alem de quadrinista,escreve super bem.

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