Vamos falar de dois filmes dentro de um. Mas primeiro tenho que deixar claro que Sucker Punch é um filme que muita gente ama ou odeia ...

05:23:00 by Eric Paiva


Vamos falar de dois filmes dentro de um. Mas primeiro tenho que deixar claro que Sucker Punch é um filme que muita gente ama ou odeia em igual proporção. Vamos tentar entender o porque disso:

No primeiro (aspecto) do filme temos uma ambientação no gênero ação/aventura, meio que surrealista, com garotas usando trajes sexys e muita porradaria. Mas as atitudes e motivações dos personagens são confusas para um filme desse gênero. É aí que muita gente odeia. E é obscuro, uma coisa que não costuma combinar com filmes assim. Não faz muito sentido. É muito visual bacana, mas desconexo. Coisa pra Nerd/Geek que curte anime, games e quadrinhos. Ou um filme muito pretensioso que não diz para Q veio.

O segundo (aspecto) do filme não ajuda muito as pessoas gostarem dele, mas faz umas poucas amarem a coisa toda. Nessa linha o gênero é mindfuck. Famoso filme cabeça ou carinhosamente: vim-aqui-pra-ferrar-com-tua-mente-parça. Aqui os eventos que compõem o filme fazem bastante sentido, mesmo que o diretor Zack Snyder possa ter errado nessa execução pensada para dois públicos distintos.

Há um exercício interessante de metalinguagem. Há um filme dentro do outro que discute o outro. E como o próprio diretor disse: “O filme é sobre um show dentro de um show dentro de um show”

ENTREVISTA do Snyder ao io9 explicando o filme (*em inglês).

Mas o que Sucker Punch realmente é? O que o filme discute? Pra quem? Complicado :/ 

A trama, steampunk é “ambientada” na década de cinquenta. Após a morte de sua mãe toda herança fica para Babydoll e sua irmã. Seu padrasto não gosta muito da ideia e resolve estuprar sua enteada. A protagonista tenta impedir o padrasto de abusar de sua irmã, mas acidentalmente a mata. Acusada de assassinato ela é internada num sanatório, a pedido do seu padrasto. E subornando um dos funcionários da instituição, ele consegue marcar uma lobotomização para a menina. No sanatório Baby Doll conhece outras internas, mas passa a maior parte do tempo medicada e com isso cria na sua cabeça um mundo que serve como escape daquela realidade. Mais ou menos isso. 

Bom, não é um filme didático, ou seja, tudo explicadinho e linear. Muita coisa é dedutiva. Exige que prestemos bastante atenção para chegarmos a alguma conclusão. Boa parte dos eventos se passam na cabeça da protagonista e com isso temos pistas do que se passa na vida real no sanatório. Contar o que está dentro da cabeça de alguém é sempre complicado. Seria fácil se nossa forma de pensar fosse simples, linear e objetiva, mas não o é. Num filme então, fica tão complexo quanto.

Todos os personagens principais são conhecidos exclusivamente por apelidos. Imagino que como está na cabeça da Babydoll e ela provavelmente não pode conversar com as meninas, ela lhe dá apelidos (codinomes). Ou algo mais perverso: que seria a forma como "carinhosamente" alguns funcionários do sanatório chamam as meninas.
 
Babydoll vê o sanatório como um bordel. A questão principal é o por que disso. Apesar de muita gente não curtir o visual e principalmente as roupas (bem no estilo Cabaré e evocando um pouco da Barbarella, 1968). As vestimentas são acusadas de hiper sexualização, mas elas estão ali para cumprir um importante papel e nos dar outras dicas importantes... Como ela é tratada lá dentro para ao invés de se ver de camisolão de paciente, ela se ver dessa forma? O que os funcionários daquela instituição fazem com as meninas que são jogadas como dejeto humano lá dentro? Naquela época? E outro ponto é que propositalmente o diretor quis colocar nossa visão moralista, sexualizada e/ou, talvez, desconstruída sobre a imagem das mulheres e a forma que elas se vestem. É um lance que as feministas sempre falam sobre o problema não ser como a mulher se veste, mas como você a vê e o quanto você a objetifica ou nutre desejos de consumo sobre elas. Uma mulher ou um homem podem estar nus e ainda assim isso não ser um convite ao sexo. Em resumo o que o diretor imagina é que uns vão ver mulheres seminuas lutando e se oferecendo na tela. Outros vão ver lolitas kawaii e ninfetas de sex shop dando porradas aleatórias e outros vão ver mulheres, femininas, sendo protagonistas bem bad-ass num filme. Conforme vamos entendendo o filme ao mesmo tempo que ver Babydoll e cia. lutando é empolgante, também é constrangedor e triste.

E é importante frisar que as gurias estão num sanatório, dopadas, constantemente abusadas e no limite de algum resto de sanidade. Babydoll perdeu a irmã, sua mãe e está numa condição de impotência diante do que acontece a ela. Não é divertido vê-las dessa forma: Expostas e no limiar do desespero e da loucura. Toda ação no filme aponta pro machismo. As ações do padrasto, do encarregado do sanatório, das roupas e situações que as meninas são impostas. O machismo que mata, objetifica e deixa pouco espaço para mulher existir, tão pouco poder lutar. Assim temos a dança... lembrei de uma guria vendo o filme comigo e dizendo “queria ver elas dançando só uma vez” e eu pensando: “mas a dança é isso”. E era. A dança é a fuga. Um exercício de liberdade. A única possível naquele momento. A dança acontece numa década pré revolução feminista. Acontece na guerra onde sabemos o que acontece com as mulheres. Acontece no período feudal no Oriente ou no medieval fantástico Ocidental. Lugares que sabemos o que era destinado as mulheres. Acontece onde elas são perseguidas por autômatos, zumbis, orcs e todo tipo de monstro. Nada humano cerca elas. Seja dançando ou a mercê do que acontece no sanatório. A dança é o grito de uma menina. É uma fagulha de esperança na cabeça de Babydoll... e é angustiante. Quer fazer um teste absurdo sobre isso? Vá até o google, digite ENTEADO e observe o resultado da pesquisa. Depois busque por ENTEADA e compare com a pesquisa anterior como o gênero feminino é visto e como o masculino está. É nojento e vergonhoso.

Sucker Punch é um filme cheio de ação (podemos entender como a vontade das mulheres) e cheio de alegorias sobre a tentativa delas de fazer algo a respeito dos seus opressores (que é quase nada). É um filme triste, angustiante e bem pessimista. Apesar de todo o visual que propositalmente engana muito. Porque você crê que vai experimentar um filme de ação/fantasia e se depara com uma alegoria sobre opressão e loucura. Vale ver esse filme com outros olhos... pra além da camada superficial dele. Vale se incomodar com ele. Vale refletir um pouco sobre as questões dele achando ou não que é um bom filme.







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