Vinte anos atrás, eu ainda moleque, morava em uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul. Uma única livraria era a fornecedora...

16:03:00 by marcelo engster

Vinte anos atrás, eu ainda moleque, morava em uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul. Uma única livraria era a fornecedora dos poucos gibis que eu conseguia comprar. Cada quadrinho que eu conseguia era uma preciosidade que precisava de muito carinho para ser guardado. Nada podia ser desperdiçado. Muito menos as tiras que chegavam diariamente nos jornais. Comprei um cadernão com o maior número de páginas que achei e ali fui colecionando todas as tirinhas que conseguia. Como em casa só recebíamos o Correio do Povo e nele vinha apenas uma, meu álbum era praticamente essa única tira, Radicci, do Iotti.


Mesmo descendente de alemão e morando em uma região de colonização germânica (alemão é a segunda língua por lá), as tirinhas daquele italiano grosso me divertiam por demais. A máxima de Tolstói “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia” caia muito bem naquela situação. Radicci, que em italiano significa raízes, parte da regionalização da cultura dos imigrantes italianos para conversar com todos os públicos.


E atrás dessas raízes do Radicci convidamos seu autor para uma conversa sobre processos criativos nos quadrinhos. Iotti hoje publica tiras e charges em diversos jornais, internet, edita e distribui sua própria revista (Gibizon), tem programa de rádio, tv e ainda um stand up. Entre suas criações estão Frederico e Fellini, os publicitários Deus e Diabo, Adão Hussein e a  Jaquirana Air.

Eis Iotti, o responsável pelas tirinhas únicas que enchiam meu álbum:

Como você começou a trabalhar com quadrinhos?
Faz muito tempooooo. Foi no século passado, quando eu era criança. Comecei muito cedo. Os dinossauros ainda circulavam pela Terra. Todo desenhista que se preza desenha desde que nasce. Me apresentei para o trabalho com 17 anos.

Processo criativo é espremer o cérebro até sair uma idéia.

Como é seu processo criativo? Você tem uma rotina de criação? Tem metas? Como fazer pra chegar da ideia ao papel?
Processo criativo é espremer o cérebro até sair uma idéia. Quando se trabalha em jornal ( trabalho desde 1981, falei, era velho!) não se tem muito tempo pra ficar teorizando. Como é uma indústria, a coisa precisa andar. Então as metas são chegar ao fim do dia sem ninguém te cobrando algo e com uma razoável qualidade no produto feito. Primeiro é preciso ler, analisar, sintetizar e depois rabiscar a lápis no papel. Se prestou, vai pro nanquim.



Quais temas gosta de abordar?

Gosto de tudo. A política, no entanto, já está enchendo o saco. Tá muito chato. A roubalheira é generalizada. Estou começando a me enjoar disso tudo.

Você tem um trabalho bem regional. Qual a sua ligação com esse tema? O que te levou a trabalhar com ele? Como você acha que ele dialoga com outros públicos, visto que faz tanto sucesso mesmo fora da comunidade retratada? 
O Radicci é uma parte do meu trabalho. E dá muito trabalho. Uma tira diária há mais de 32 anos. Surgiu no jornal Pioneiro de Caxias e por lá continua sendo publicado. Andou dando uma espalhada, mas continua sendo o mesmo colono italiano anti-herói, politicamente incorreto, grosso, machista, homofóbico, fascista e tudo que imaginarem... Como é uma caricatura, acho que tem sobrevivido todo esse tempo pelo fato de ter uma família que interage com ele. Vivem em um conflito eterno entre pai e filho e marido e mulher. São histórias universais com uma roupagem tipicamente regional.

Quais suas principais referências? O que te inspira?
Tudo. Gosto muito dos clássico quadrinistas argentinos. No começo também a gauchada foi meu modelo. Canini, Edgar Vasques e Santiago. Depois veio o Angeli. Depois fui espraiando. Agora preciso ver coisas novas. Tem uma nova geração furiosa e talentosa vindo que é um espetáculo. 



Você faz alguma pesquisa para suas histórias? 
Sim. Tanto na parte psicológica (no caso do Radicci, patológica!) como na parte gráfica. Precisa ter um mínimo de conexão com a realidade.

O que faz quando tem o famoso branco?
Quem trabalha em jornal , com prazo e horário, não pode ter isso. No desespero se recozinha uma ideia e apresenta como um prato original. Vulgo carreteiro requentado. Por vezes, fica bom.

Personagem tem a ver com personalidade. Portanto é preciso antes estudar um pouco a personalidade da criação e criar baseado nessa medida. Depois de um tempo ele começa a andar sozinho.

Você tem personagens fortes e bem construídos. Qual a importância das personagens para as histórias? Qual seu trabalho de desenvolvimento de personagens?

Se respondesse isso sem resolva estaria aceitando o elogio. Obrigado pelo bem construído. Há controvérsias. Mas para o Radicci, por exemplo, foi fácil. Bastou observar da janela os Radiccis soltos na cidade de Caxias do Sul. Personagem tem a ver com personalidade. Portanto é preciso antes estudar um pouco a personalidade da criação e criar baseado nessa medida. Depois de um tempo ele começa a andar sozinho. 


Como chegar até o público? Como estabelecer uma relação com o leitor?
Pense como ele!

Larguei as editoras, distribuidoras e também as livrarias. Enquanto não mudar, eu mesmo me edito e vendo de mão em mão em eventos. Depois de mais de 30 anos voltei a ser uma espécie de poeta alternativo da HQ.

Você publica tirinhas na internet, jornais e livros. Quais as dificuldades para publicar digital  e físico? Quais são os cuidados que se deve tomar em cada um desses formatos? Quais são as dificuldades na distribuição?

Sou fã dos impressos. A internet é muito legal mas nada supera - na minha singela e velha opinião- o impresso. Porém, tem sido cada vez mais difícil imprimir. Primeiro os custos. Se for por uma editora, normalmente o coitado do autor fica com somente 10%. E ainda tem editor que reclama! A conta é muito desigual.  Todos reclamam mas quem se ferra é o autor.  Todos querem ganhar: autores, editores, gráficas, distribuidores e livrarias. Todos querem o máximo e há um canibalismo. O mercado é pequeno e difícil. Larguei as editoras, distribuidoras e também as livrarias. Enquanto não mudar, eu mesmo me edito e vendo de mão em mão em eventos. Depois de mais de 30 anos voltei a ser uma espécie de poeta alternativo da HQ.

O que aconselharia para quem está começando ou quer trabalhar com quadrinhos?
Nunca desista.


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