Nesse texto vamos adotar a sigla P1P (perspectiva em primeira pessoa) para designar filmes desse tipo e deixar a escrita mais din...

15:13:00 by Eric Paiva


Nesse texto vamos adotar a sigla P1P (perspectiva em primeira pessoa) para designar filmes desse tipo e deixar a escrita mais dinâmica. Importante ressaltar que narrativa ou perspectiva em primeira pessoa não é found footage (câmera perdida). Como nos filme “A Bruxa de Blair” (1999) e “Cloverfield” (2008).

Hardcore Henry é um longa nascido do financiamento coletivo (crowdfunding). Um dos motivos de poder ser um filme ousado ao e experimentar uma estética mais dinâmica e estranha aos olhos do espectador comum. Usar a P1P não é uma novidade no cinema, mas fazer um filme inteiro assim é no mínimo inusitado.

“Você não se lembra de nada. Principalmente porque você acabou de ser trazido do mundo dos mortos pela sua esposa. Ela lhe diz que seu nome é Henry e, parabéns, você agora é um ciborgue. Cinco minutos depois, sua esposa é sequestrada e você deve resgatá-la. Quem a capturou? O nome dele é Akan. Ele é um megalomaníaco psicótico com poderes telecinéticos e um infinito exército de mercenários. Você não é familiarizado com a cidade de Moscou, nem com a Rússia, e todos te querem morto. Todos, exceto um misterioso camarada britânico chamado Jimmy. Ele pode estar do seu lado. Boa sorte, Henry. Você vai precisar de muita...”

O diretor do filme Ilya Naishuller é integrante da banda Biting Elbows. Ele produz e dirigiu os clipes da banda como o “Bad Motherfucker” e o “The Stampede”. Os clipes são uma viagem frenética cheia de tiros, parkour e inimigos insanos. Bem a pegada do longa. No final o filme parece um grande videoclipe surrealista e cyberpunk. O uso de novas tecnologias e de câmeras leves e bem pequenas como a GoPro, ajudou bastante. É uma perfeita prévia para Hardcore.


Além de uma HQ intitulada Hardcore Akan, que é um prólogo escrito pelo próprio diretor do filme. A história mostra um pouco mais sobre o vilão Akan, sua origem e como conseguiu seus poderes psíquicos. É uma história de origem meio confusa, que envolve Chernobyl, drogas experimentais e muito assassinato. É bem interessante como multimídia. Akan e Henry possuem uma similaridade: não têm muita profundidade. Um bom produto estético e divertido, mas não vai muito além disso. Não que seja ruim, mas parece um game que você não tem total interação com o desenrolar do jogo.


É. Um filme desses ainda não teve sua estreia nas salas de cinema no Brasil. Mas nas bancas dos camelôs e nos torrents da vida o filme é um sucesso. Vou ter que concordar com o pessoal que legenda filmes ruins de bons do WTFSubs (do Titio Moicano): Esse é um filme WTF². Vale cada segundo de filme, mas acho que muitos vão estranhar bastante.

Inovação gera um certo receio. Principalmente se isso se tornar uma regra. Um desejo daqueles que consomem o produto audiovisual.

Com o passar dos anos a indústria cinematográfica cria fórmulas de estrutura de linguagem baseadas em seus sucessos de bilheteria. Essa prática é interpretada como um quadro percentual de acertos, gerando indicativos que dão origem a padrões, repetição. Isso é uma prática que transforma o produto audiovisual dessa indústria, em previsíveis, na maior parte das vezes. Houve um tempo no cinema mundial, de narrativa clássica e experimentalismo, que não possuía esse padrão tão determinista. E haviam filmes surrealistas, expressionistas, noir muito mais em evidência. Hoje ainda há filmes que bebem dessa fonte, mas não com tanto destaque.

A ideia de narrativa em primeira pessoa é comumente usada em jogos de ação e tiro (FPS). Um dos clássicos do gênero é o jogo Doom, que foi adaptado para o cinema em 2005. O filme, “Doom - A Porta do Inferno”, decepcionou um pouco os fãs que esperavam um pouco de fidelidade entre a linguagem do game e o filme. Em apenas uma sequência da película podemos ver a tão aguardada perspectiva em primeira pessoa, não chegando a empolgar. Mas o filme nos ensina duas coisas importantes:

1-    Parte da culpa é da própria indústria cinematográfica que tem certo receio em ousar nos seus blockbusters.
2-    A necessidade de atrelar o sucesso de um filme a uma celebridade.


Doom não é o primeiro filme a ter sua linguagem ou estética sacrificada em nome do uso de rostos conhecidos para vender um filme. Um bom exemplo disso seria o que ocorreu em “O Juiz” (1995), onde Sylvestre Stallone interpreta o Juiz Dredd. Um personagem que nos quadrinhos nunca tira o capacete, mas que no filme tem o rosto exposto quase que integralmente. Já “Dredd” (2012), temos Karl Urban, não tão conhecido do público, na pele do juiz. É um filme muito mais fiel, mas é difícil saber se o mérito é do ator ou do diretor Pete Travis que optaram pelo personagem como peça principal do filme.

Há outros filmes que usam P1P, de forma parcial ou não, para contar uma história:

* A DAMA DO LAGO (1941): Filme Noir. Estreia do ator Robert Montgomery como diretor. É um filme fantástico, e até onde sei, o primeiro a usar esse tipo de narrativa. Numa época em que não havia referências de jogos, videoclipes ou outros filmes. Assim, ele é a inovação de linguagem cinematográfica. É um filme noir clássico. Trama densa e cheio de reviravoltas. Vê-lo é quase uma obrigação existencial.


* PRISIONEIRO DO PASSADO (Dark Passage, 1947): Filme Noir. Na trama um homem foge da prisão para provar sua inocência. Com seu rosto estampado em todos os jornais, ele decide fazer uma cirurgia plástica para permanecer incógnito, mas fugir do seu passado, não importanto sua aparência, é o mais difícil. Produção com o casal Humphrey Bogart e Lauren Bacall.Diferente do seu antecessor só algumas cenas são feitas em P1P.


* HOTEL INFERNO (2006): Um assassino de aluguel recebe uma proposta absurdamente rentável para matar um casal num hotel, mas o que parecia ser a missão mais simples do mundo se transforma num pesadelo. Lançado um ano depois de Doom, esse filme tentou aproveitar melhor a ideia de P1P do seu antecessor. É um TENSO filme de horror, (um splatter movie). Recomendo ter estômago forte pra assistir.


* ENTER THE VOID – VIAGEM ALUCINANTE (2009): Oscar é um traficante meia boca que acaba sendo baleado durante uma batida policial. Seu espirito fica vagando numa espécie de limbo entre vida/morte e uma bad trip. Tudo por causa de uma promessa que fez a sua irmã, de cuidar dela. Um dos melhores filmes do polêmico Gaspar Noé. A P1P é usada de forma bem interessante. Parece que você vivência parte da experiência pós mortem/onírica de Oscar.


* MANÍACO (2012): É um remake de Maniac (1980), de William Lustig. O filme é cheio de tensão. Acredito que o diretor optou pelo uso do P1P para se aproximar do original, que trabalha com planos bem fechados e é um filme bem angustiante.


* O ESPETACULAR HOMEM-ARANHA (2012): Reboot de “Homem-Aranha” (2002) dirigido por Mark Webb. Algumas cenas do heróis sobre os prédios e pulando pela cidade são feitas em P1P. Isso gera uma interação absurda com o filme.


* IRMÃO ESPIÃO (2016): O encontro de dois irmãos, um espião e o outro um holligan que além das confusões geradas, lutam por suas vidas. O filme é bem o estilo de comédia do Sacha Baron Cohen. Diverte. O uso da P1P está nas cenas de ação do filme. É óbvia a influência de Hardcore Henry e dos clipes da banda Biting Elbows, que antecedem o longa.


Abaixo uma lista de videoclipes feitos com a mesma narrativa porque, afinal, audiovisual não é só cinema (só o Cavalera Conspiracy que parece que mescla P1P com found footage):




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