Em 2005, durante o Santa Maria Vídeo e Cinema, festival da cidade no meio do Rio Grande do Sul, em uma sessão de muito trash depois d...

10:34:00 by marcelo engster


Em 2005, durante o Santa Maria Vídeo e Cinema, festival da cidade no meio do Rio Grande do Sul, em uma sessão de muito trash depois da meia noite no Bar Macondo, o mais desconstruído da região, conheci a obra de Petter Baiestorf. E o gore que escorria das tvs de tubo de 14 polegadas penduradas nas paredes do recinto era produzido ali pertinho, em Santa Catarina. Cinema lindo produzido com parcos recursos. Diversão garantida!
 
Nossa sessão de Processos Criativos agora também terá entrevistas com cineastas. Nada melhor do que começar com a maior referencia em trasheira, escatologia, sexo, sangue e tripas do cinema nacional. Eis Petter Baiestorf!


Adriano Trindade de Freitas e Petter Baiestorf em Zombio 2 - Foto: Andye Iore
Como você começou a trabalhar com cinema?
Comecei de zoeira. E na verdade até hoje estou nesta de zoeira. No início dos anos 90, acho que 1990 ou 1991, tomei contato com fanzines e bandas independentes e suas fantásticas demo-tapes. Em 1992 comecei a editar um fanzine chamado “Arghhh” (que durou até 2003) e convenci alguns amigos de que era possível a gente fazer um filme amador em VHS e distribuir em vídeo cassete, bem nos moldes como as bandas faziam com suas demo-tapes. E trabalhamos duro para que isso rolasse. Já em 1995, ainda neste sistema, fiz um longa chamado “O Monstro Legume do Espaço” que consegui distribuir em fita VHS por todo o Brasil, isso nos tornou uma espécie de referência dentro do sistema SOV de se fazer filmes aqui no Brasil. É este mercado que exploro.

Cada vez mais tento fazer o contrário daquilo que esperam de mim.

Como é seu processo criativo? Você tem uma rotina de criação? Tem metas? Como fazer pra chegar da ideia ao roteiro?
Cara, não tenho fórmula pra nada não. Eu tenho histórias que quero contar, então sem glamour nenhum eu sento na frente do computador e deixo essas idéias saírem. Aí depois meto gente pelada nessas idéias e exagero as idéias em muitas cenas, que é pra fazer o filme se destacar neste mar da mesmice. É bem simples. E como não tenho fórmula pra nada estou livre pra tomar qualquer rumo que me der na telha, por isso tenho filmes experimentais, filmes de vídeo arte, filmes gorechanchadas, terrorzinho normal e até pornôs. Um artista, ao meu ver, precisa se livrar de rótulos, de achar que seu público é quem decide o que ele vai fazer. Cada vez mais tento fazer o contrário daquilo que esperam de mim.

Acho que gêneros como sci-fi e horror um bom lugar pra se falar sobre qualquer temática mais séria, como racismo, corrupção ou temas tabus.

Quais temas gosta de abordar?
Acredito que meu tema preferido seja o humano. Se você visitar toda minha obra irá perceber que cada filme está falando de pessoas. Não acredito em pessoas 100% boas, nem 100% más. Então exploro isso em meus roteiros criando personagens canalhas simpáticos ou heróis falíveis. Acho que gêneros como sci-fi e horror um bom lugar pra se falar sobre qualquer temática mais séria, como racismo, corrupção ou temas tabus. Em “O Monstro Legume do Espaço 2” (2006), por exemplo, uso o alien para falar do racismo que existe no Brasil. Em “Arrombada – Vou Mijar na Porra do Seu Túmulo!!!” o assunto principal é como o poder te blinda e te torna um intocável em país de miseráveis, como o caso do nosso país. Em “Vadias do Sexo Sangrento” o assunto principal é como o machismo de nossa sociedade é agressivo. Enfim, com um senso de humor bem cretino vou versando sobre assunto sérios, isso dá um tom único aos filmes e acabam tendo uma sobrevida. Se você fizer um filme vazio ele não consegue ter essa sobrevida.

Ljana, Baiestorf e Coffin Em Vadias do Sexo Sangrento

Quais suas principais referências? O que te inspira?
Sou bastante influenciado por artistas como Christoph Schlingensief, Jesus Franco, Dusan Makavejev, Kôji Wakamatsu, George Kuchar. Não necessariamente por eles, mas pelo modo como abordam temas sérios em filmes livres. A mistura de gêneros, mistura de culturas, a não fronteira, isso são coisas que me interessam. Também leio bastante livros anarquistas, apesar de não me considerar um anarquista (porque implica em rótulo e rótulo te limita), o anarquismo me interessa muito para as pequenas ações que tomo na vida. Falando em cinema mais comercial, sinto muita falta nos dias de hoje de filmes com temática adulta. Faltam autores como Fellini, Jodorowsky, Vera Chytilóva, John Waters, Herzog, Wenders, Buñuel, Scola, Monicelli, e tantos outros humanos inteligentes no cinema. Meu lema é: Vá pelo caminho mais difícil, sempre!

Zombio 2
Como é seu dia a dia de criador?
Cara, o mais importante é levantar o dinheiro. Todo o resto ta aqui comigo, é só sentar e deixar sair. Só o dinheiro, sempre o maldito dinheiro, que te censura, te poda, te limita.

Você faz alguma pesquisa para suas histórias?
Nos filmes de horror, nas gorechanchadas, não. Vou inventando. Em filmes de temática pouquinho mais sérios, se achar necessário, sim. Mas eu curto mesmo é inventar tudo.

Ninguem Deve Morrer
O que faz quando tem o famoso branco?
Aprendi a lidar com isso da maneira mais natural possível. Tento respeitar o que o corpo pede. Se me dá o “branco” faço uma dessas duas coisas: A) se tenho tempo para escrever/criar o projeto: Paro o que estou fazendo, abro uma cerveja, vou me divertir, fico uns dois dias fazendo coisas que não estejam ligadas ao projeto e, depois, com cabeça descansada volto e tudo fluí novamente. B) se não existe tempo nenhum disponível: Quebro essa barreira do “branco” dando guinada inesperada no que estou escrevendo, vou pra um lado que ninguém imaginaria que era possível ir e, movido pela curiosidade, vou vendo pra onde a ideia mirabolante vai me levar. Mas faz bastante tempo que não tenho o tal “branco”, desde que comecei a respeitar o que meu corpo pede, com alimentação bem equilibrada (sem tanto alimento industrializado) e respeitando horários de sono, tudo passou a render bem mais. To em busca do meu próprio equilíbrio, um equilíbrio que funciona apenas pra mim. Então acredito que se você quiser utilizar essa fórmula, terá que se conhecer primeiro.

Gosto disso, incluir coisas extremamente bizarras para, quando me perguntam o porque de criar coisas tão exageradas, poder dizer que “me inspirei na vida real!”.

Qual a importância das personagens para as histórias? Qual seu trabalho de desenvolvimento de personagens?
As ações das personagens, a psicologia das personagens são extremamente importantes porque são elas que dão os rumos das histórias que quero contar. Mas, à exemplo da humanidade no seu dia a dia, incluo muito movimentos imprevisíveis nas minhas personagens pra justamente consegui explorar caminhos próprios. Incorporo, muitas vezes, detalhes exagerados da vida real em situações que quero mostrar em meus filmes. Exemplo, em “Blerghhh!!!” (1996) incluí uma cena onde a personagem decapita uma pessoa se utilizando de uma latinha de sardinha inspirada num caso onde neto decapitou a vó se utilizando de uma lata de sardinha. Gosto disso, incluir coisas extremamente bizarras para, quando me perguntam o porque de criar coisas tão exageradas, poder dizer que “me inspirei na vida real!”. Geralmente as personagens são a história.

Zombio
E como sair do roteiro para as telas?
Eu escrevo roteiros tem uns 25 anos, eu escrevo todos os roteiros que vou filmar. Então ao escrever já sei como filmarei o que está escrito ali. Facilita bastante o processo. Sem contar que eu reescrevo os roteiros no processo das filmagens por conta de que geralmente produzo os filmes com orçamento muito baixo e algumas mudanças se fazem necessárias no decorrer do cronograma. E pra aproveitar o orçamento apertado, muitas vezes filmo projetos simultâneos com a mesma equipe. Exemplo, “Zombio 2” as filmagens duraram 23 dias, com uma pausa no décimo terceiro dia que foi quando reescrevi o roteiro e simplifiquei bastante coisa pra poder dispensar uma parte da equipe e baratear ainda mais o segundo bloco. Mudei toda a estrutura do filme nesta pausa, mas não se percebe ao ver o filme.

Equipe de Raiva
Como faz a escolha de sua equipe?
Pelo baixo valor, quanto menos tu cobrar mais facilmente será contratado. E não contrato quem tem visão artística/política diferente da minha porque não gosto de explicar nada toda vez que peço pra fazerem algo. Ao se filmar com baixo orçamento tu precisa ter tudo tão em harmonia e gente que pensa muito diferente de ti atrapalha muito. Meus sets tem uma harmonia muito gostosa, o pessoal que está trabalhando ali é tudo gente que se sente feliz por estar participando de um projeto em que realmente acredita. É um pessoal que acredita no independente de verdade, na liberdade criativa. Quero manter sempre este clima gostoso, gente correndo pelada nas suas horas de folga, gente trampando duro mas se divertindo. Detalhe: tento sempre filmar onde não existe sinal de internet.

Ninguém Deve Morrer
Quais técnicas de direção de atores utiliza?
Não sou diretor de atores, então passo as motivações e deixo cada um construir suas personagens. Aí só dou podadinha aqui e ali, mando gritar mais alto acolá, etc. Atores são pessoas inteligentes o suficiente para saberem o que fazer. Estou longe de ser um bom diretor, sou mais produtor do que diretor, tenho um dom de levantar dinheiro na verdade. Mas dirijo eu mesmo os filmes porque sou mais rápido e não perco tanto tempo em perfeccionismos que, para produções de baixo orçamento, não vão mudar muita coisa no produto final. Claro que tento dar o melhor, e também tento tirar o máximo da equipe, mas não irei nunca aprovar uma semana a mais de gastos pra tentar fazer o material aceitável virar um material “obra-prima”. Os maiores lucros que tive com filmes, que pagaram outros filmes, foram com produções extremamente baratas rodadas em 4 dias com equipe de 8 pessoas e que, uma década depois, continua dando dinheiro limpo pra se investir nos novos filmes.

Equipe de Zombio 2
Como é a relação entre diretor e diretor de fotografia?
Geralmente eu mesmo faço a fotografia dos filmes. Faz parte do meu processo de filmar rápido e acho essencial tu fazer a fotografia, roteiro, produção e direção, que são as funções coração de um filme. As vezes os filmes tem equipe de fotografia, como foi o caso de “Zombio 2” onde Leo Pyrata e Flávio Sperling assumiram a função de direção de fotografia. Foi extremamente prazeroso trabalhar com eles porque a gente pensa o cinema da mesma forma. Não tivemos nenhuma discussão e quando um dos três dava uma idéia os outros já conseguiam completar o raciocínio. Quando é assim realmente funciona ter um diretor de fotografia. Espero voltar a trabalhar com eles num futuro próximo, sermos de regiões diferentes atrapalha um pouquinho – eles estão em MG e eu em SC. Mas organizando direito rola (Zombio 2 tinha técnicos e atores de 8 estado do Brasil).

Como você compõe um enquadramento?
Cada projeto, cada filme, pede seus próprios enquadramentos. Meus enquadramentos são pensados de forma à agilizar a história. Amo enquadramentos inusitados, tenho alguma influência de quadrinhos e, as vezes, de documentaristas dos anos 60. Geralmente já prevejo todos os enquadramentos no roteiro, com bastante liberdade na hora de filmar. Roteiros são ótimos quando cara não precisa ficar preso à eles, para o bem ou para o mal.

O mais importante, ao meu ver, é você fazer um filme no qual acredita. Depois disso, trabalhando a distribuição, ele vai encontrar o público.
Como chegar até o público? Como estabelecer uma relação com o espectador?
O mais importante, ao meu ver, é você fazer um filme no qual acredita. Depois disso, trabalhando a distribuição, ele vai encontrar o público. Existe público para tudo hoje. Eu conheço muito bem o que os fãs de gore querem, então tento dar à eles o que os faz delirar, só que tento dar isso sempre com uma abordagem um pouco diferente. E tento sempre fugir do que está sendo feito no cinema atual, a força dos independentes está em surpreender o público. Se tu der a mesma coisa que o público recebe dos grandes estúdios tu só terá a mesma coisa feita sem dinheiro, agora, se tu der algo diferente dos grandes estúdios o público vai receber teu produto com muita alegria e ajudar na divulgação com o poder do boca a boca. Não to falando que será popular e te colocará num pedestal acima dos outros não. Estou dizendo que teu filme encontrará o público dele.

Zombio 2
Você consegue viver de cinema?
To conseguindo sim, ao meu modo. Mas vivo com pouco dinheiro, tirando comprar livros e DVDs não sou um consumista, então preciso de pouco pra viver. Claro que se eu ganhar um monte, vou acabar gastando tudo.

Filme é um produto – independente de seu gênero – e assim, como um produto qualquer, pra chamar atenção precisa dialogar com os instintos do espectador.

Quais são as dificuldades na distribuição?
Não vamos falar em dificuldades. Destacar as dificuldades vai sempre limitar o iniciante – e até o veterano. Vamos falar das facilidades que existem hoje. Como não existe uma fórmula, você primeiro precisa saber exatamente que tipo de produto você tem em mãos pra oferecer, aí, com isso em mente, você vê o que pode fazer quanto a distribuição. Vou falar dos meus filmes que são feitos visando o público dos goremovies, este é meu público alvo, o resto do público é lucro. Eu produzo eles de maneira independente, então quanto menos custar mais retorno terei. Meu primeiro passo é inscrevê-los em vários festivais e mostras pra começar a dar visibilidade à produção, logo em seguida, quase que simultaneamente aos festivais/mostras, começo as vendas em mídia física (elas ainda dão um retorno bem interessante, dá bastante trabalho, mas o retorno continua sendo interessante) e em seguida tento colocar em alguma plataforma de streaming. TV é o próximo passo em alguns casos. Também o lançamento em mídia física em outros países (no meu caso, geralmente USA, Canadá e alguns países Europeus). Depois de 2 anos coloco o filme pra baixar gratuitamente, que me rende visibilidade, convites pagos para palestrar e novas parcerias entre pessoal independente. Não uso mais essas plataformas tipo Youtube/Vimeo. Por enquanto não posso, mas assim que for possível criarei minha própria plataforma de streaming. Mas cada produtor precisa saber o que está fazendo e criar um plano de distribuição para seus filmes. Quando não existe uma fórmula pré-estabelecida você está livre para experimentar de tudo. E hoje estão surgindo muito canais de distribuição bem interessantes, você não é mais escravo daquela fórmula “cinema - mídia física – TV” que existia antes. Mas como a oferta de produtos hoje também é muito maior, você precisa é criar obras que se destaquem e façam as pessoas terem interesse em ver e rever seu filme. Filme é um produto – independente de seu gênero – e assim, como um produto qualquer, pra chamar atenção precisa dialogar com os instintos do espectador. Se não dialogar o espectador assiste e logo esquece, não faz o boca-a-boca que teu filme independente precisa, e parte pra outro produto.

Zombio 2
Quais as dificuldades do mercado brasileiro?
Vamos falar das vantagens: Tu está num país riquíssimo em termos culturais, porque não explorar isso e dar algo diferente pro resto do mundo. Não faço mais filmes pensando em termos de Brasil, porque o público da gorechanchada está espalhado pelo mundo inteiro e existe contato entre os produtores e o público. Então acredito que explorando o exotismo de ser latino americano, é possível chegar à um público bem amplo com filmes diferentes do que americanos e europeus fazem.

O que te motiva a continuar fazendo cinema?
É uma arte coletiva, é cheio de problemas e extremamente cara, mas não existe como não amar. To sem filmar tem quase um ano e sinto muita falta da dor de cabeça que é levantar uma produção, correr atrás de dinheiro, lidar com egos, ter um monte de gente ali no set querendo criar algo único. Não existe como parar de fazer, então aos trancos e barrancos a coisa segue.

Meu conselho é faça os filmes.
O que aconselharia para quem está começando ou quer trabalhar com cinema?
Meu conselho é faça os filmes. Faça o primeiro e tente chegar ao público, preste atenção em tudo que rolar nesta produção e vá aplicando o que aprendeu nos projetos seguintes. Se você quer fazer filmes extremamente bem produzidos, vá atrás das técnicas e do dinheiro necessário e faça sem achar que precisa explicar algo pros outros. Confie em si mesmo. O que funciona pros outros não quer dizer que irá funcionar para você. Sempre defendo que as pessoas precisam se auto conhecer e ir atrás daquilo que acreditam ser o melhor para si.


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