Fradim nº 31 Argumento e desenho: Henfil Codecri / PB / 1980 / 50 pág Nem Fradins nem Graúna, o que mais me chamou a atenção na rev...

10:39:00 by marcelo engster

Fradim nº 31
Argumento e desenho: Henfil
Codecri / PB / 1980 / 50 pág


Nem Fradins nem Graúna, o que mais me chamou a atenção na revista foram as seções “Cartas de um Subdesenvolvido” e “Fala Leitor”. Não que as histórias sejam fracas. Muito pelo contrário. Além de muito atuais, elas tem em seu espírito contestador um dos grandes momentos dos quadrinhos brazucas.
Tudo isso fica ainda mais evidente quando se conhece onde, como, porquê e por quem foram feitos os quadrinhos. Considero de grande importância o conhecimento de tais fatores para um melhor entendimento do que realmente estava em jogo quando da criação da obra pelo artista. E é aí que entram as duas seções citadas a cima.
Em “Cartas de um Subdesenvolvido”, Henfil traz a público as cartas que escrevera para familiares e amigos nos anos em que estava exilado nos Estados Unidos (73-74). Nelas, conta sua experiência com hospitais e com os syndicates. Em Fradim nº 31, ele relata as primeiras tratativas com o UPS (Universal Press Syndicate).
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Apresentado para um dos donos da UPS pelo jornalista Dan Griffin, Henfil é bem recebido: “O cara me jogou num hotel sensacional, um luxuoso Hollyday Inn com piscina e sauna romana. Ele me buscava todo dia e à noite, me deixava no hotel. (...) me levou na casa dele,conheci a família e fui apresentado a ela como o novo Gary Trudeau (um famoso quadrinheiro político que a UPS lançou, lembram?). Conversamos muito e ficamos praticamente amigos.”
Aceitos os Fradins pelo syndicate, as personagens teriam de passar por algumas mudanças. “(...) ele (o dono da UPS) continuou achando que os personagens não estavam bem definidos para os leitores, que teriam dificuldades em disciplinar os olhos para então ficarem familiarizados com o fradim a ponto de achá-los no meio das outras tiras (...) Aí descobri um jeito: colocar o hábito dos frades cinza, reticulados.” Henfil, então, explica que aceitou as mudanças “porque o meu traço atual vem sendo desenvolvido à vista dos leitores brasileiros há 10 anos. Eles seguiram minha evolução dia a dia. Aqui nos EUA, os leitores não acompanharam e parece que eu vou ter que começar com ele desde o início, como comecei aí.”
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Próximo passo era assinar o contrato. Aconselhado pelo próprio dono da UPS,Henfil buscou um advogado. Com ajuda de amigos, traduziu todo o contrato padrão do syndicate. Deu então suas exigências: “(1) só assinaria por 5 anos; (2) não admitia merchandise (talcos, camisetas e brinquedos); (3) Vetava o uso dos personagens para fazer qualquer tipo de publicidade, principalmente de multinacionais e (4) o Brasil ficaria fora de contrato.” Ninguém, por aquelas bandas, entendeu o que Henfil realmente queria. Seu advogado “resistiu feito fosse advogado deles e não meu, tão abalado estava com minha resistência em aceitar os 4 pilares do capitalismo: segurança, fama sucesso e fortuna”. Um dos sócios da UPS ainda comentaria com sua secretária “olhe bem para esse pirado, ele se recusa a ganhar dinheiro, queremos fazer dele um homem rico e ele não quer.” Por fim, exceto pela primeira, todas foram aceitas.
Henfil ainda relata suas expectativas quanto à publicação dos fradins “Juro por Deus como estou com certo medo de não dar certo. Te juto porque acho que os fradins, mesmo amaciados como tenho feito, são os quadrinhos mais violentos já feitos por aqui para publicação sindicalizada.” Infelizmente, Henfil estava certo.
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Já na seção “Fala Leitor” o assunto mais debatido é a ida de Henfil para a televisão. Alguns leitores não concordam com a decisão do quadrinista. Mas ele rebate afirmando que “analfabeto não pode ler minha tirinha, mas pode ver TV. Não tem escola, nem comida, nem remédios, mas TV sim.”
As cartas de Henfil deixam evidentes os motivos das contestações de Fradins e Graúna. O espírito de luta de Henfil por seus ideais e sua ideologia tornam a obra dele ainda mais importante e admirável.

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